Governo, Marcelo e mundo do futebol condenam insultos racistas a Marega

Incidente passou-se no V. Guimarães-FC Porto, que terminou com a vitória dos “dragões”. Partidos e clubes repudiam racismo; Governo diz que responsáveis serão punidos.

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Moussa Marega, avançado do FC Porto, abandonou o campo durante a partida contra o V. Guimarães. Ouviu insultos desde o aquecimento e em vários momentos durante o jogo, vindos das bancadas do Estádio D. Afonso Henriques, mas a situação escalou quando marcou o 1-2 que daria a vitória aos “dragões". O incidente já mereceu a reprovação do Presidente da República, do Governo, de outros clubes de futebol, deputados e estrelas do desporto internacional.

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Moussa Marega, avançado do FC Porto, abandonou o campo durante a partida contra o V. Guimarães. Ouviu insultos desde o aquecimento e em vários momentos durante o jogo, vindos das bancadas do Estádio D. Afonso Henriques, mas a situação escalou quando marcou o 1-2 que daria a vitória aos “dragões". O incidente já mereceu a reprovação do Presidente da República, do Governo, de outros clubes de futebol, deputados e estrelas do desporto internacional.

Depois de marcar o 100.º golo da sua carreira, os festejos de Marega levaram-no até próximo da bancada. Como resposta, recebeu cadeiras. Pegou numa delas e colocou-a na cabeça – algo que lhe valeu o amarelo da parte do árbitro Luís Godinho. O jogo prosseguiu, mas os assobios e os insultos não cessaram, e aconteciam sempre que Marega tocava na bola. Expressões como “macaco”, “chimpanzé”, “preto” e sons que se assemelhavam aos de macacos ecoaram no estádio vimaranense, de acordo com o relato do jornal desportivo O Jogo.

Face ao tratamento que recebeu, Moussa Marega tomou a decisão de abandonar o jogo. Mostrou-se irredutível, mesmo depois de alguns jogadores da sua equipa e Sérgio Conceição, treinador portista, terem tentado demovê-lo, ainda em campo. Depois de pedir a substituição, Marega apontou para as bancadas do recinto vimaranense, com os polegares para baixo, numa situação que originou uma interrupção de cerca de cinco minutos.

Numa publicação no Instagram, o avançado maliano justificou a sua decisão: “Gostaria apenas de dizer a esses idiotas que vêm ao estádio fazer gritos racistas: vá-se foder”, escreveu. Marega criticou também o árbitro pela passividade, apesar de a FIFA punir claramente o racismo dentro de linhas e os árbitros poderem interromper jogos devido a incidentes racistas: “Agradeço aos árbitros por não me defenderem e por me terem dado um cartão amarelo porque defendo a minha cor da pele.”

No rescaldo do jogo, o avançado recebeu o apoio de Sérgio Conceição, que se mostrou “indignado” e classificou o comportamento dos adeptos durante o jogo como “lamentável”. “Sei bem da paixão que existe aqui em Guimarães pelo clube, mas sei que a maior parte dos adeptos não se revê naquilo que sucedeu com um pequeno grupo de adeptos a insultar o Marega desde o aquecimento”, avaliou, em declarações à Sport Tv. “Nós somos uma família, independentemente da nacionalidade, altura, cor do cabelo, cor da pele.”

Responsáveis serão punidos, afirma Governo

Da parte das mais altas instâncias políticas portuguesas, a condenação face ao incidente racista foi quase imediata. Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que a “Constituição da República Portuguesa é muito clara na condenação do racismo, assim como de outras formas de xenofobia e discriminação”, em declarações à agência Lusa.

António Costa manifestou “total solidariedade” e concluiu que “nenhum ser humano deve ser sujeito a esta humilhação”. “Ninguém pode ficar indiferente. Condeno todos e quaisquer actos de racismo, em quaisquer circunstâncias”, escreveu António Costa na sua conta pessoal no Twitter. 

Da parte do Governo, uma promessa: os responsáveis serão punidos. As garantias são dadas pelo secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo: “A Autoridade para Prevenção e o Combate à Violência no Desporto está desde já a trabalhar em articulação com as autoridades policiais e desportivas no sentido de identificar e punir exemplarmente os responsáveis deste triste episódio que enche de vergonha todos quantos lutam por uma sociedade mais tolerante.” “Todos os agentes desportivos e, em particular, os seus dirigentes, além do repúdio, têm de actuar de forma a que isto não se repita”, frisou João Paulo Rebelo.

“Racismo não é opinião, é crime”, afirmam os partidos

Quase todos os partidos (e os seus representantes) mostraram estar do lado de Marega e condenaram o que se passou em Guimarães. Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, afirmou que não segue futebol, mas considera-se “adepta do Marega” depois da forma como reagiu aos insultos: “Racismo não é opinião. É crime”, escreveu no Twitter.

Na mesma rede social, João Cotrim Figueiredo, deputado único pela Iniciativa Liberal, considerou que Marega “fez bem em abandonar o campo”. “Ninguém deve admitir este tipo de discriminação que tanto fere a sua humanidade”, defendeu.

Na conta do Twitter do partido Livre também se condenou o racismo durante o jogo: “O Livre exige da parte do Vitória de Guimarães e da Liga uma condenação inequívoca destes comportamentos.”

O novo líder do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, escreveu, também no Twitter, que “as manifestações de racismo não podem ter lugar na nossa sociedade: devem ser julgadas e severamente punidas pelos tribunais”. “Essa é uma luta que não tem cor”, escreveu.

Já para o deputado do Partido Socialista Tiago Barbosa Ribeiro, “a ofensiva racista contra Marega em Guimarães, obrigando à saída do jogador, cobre de vergonha o futebol português”. Isabel Moreira, da mesma bancada parlamentar, salienta que “Marega decidiu recusar-se a ser uma não-pessoa”. Ana Catarina Mendes, do mesmo partido, considerou que o Marega teve uma atitude “nobre”, mas que “não devia ser assim...” “Quem insultou merecia que Marega jogasse até ao fim.”

Apenas André Ventura, deputado do Chega, destoou no coro de apoio a Marega e criticou o “país de hipocrisia em que tudo é racismo e tudo merece imediatamente uma chuva de lamentos”, escreveu numa primeira mensagem publicada no seu Facebook. “É tempo de acabar com esta choradeira permanente do racismo e condenar os actos bárbaros e animalescos que tiverem de ser condenados”, afirmou numa segunda mensagem, em que comentava a reacção de outros membros do Parlamento e afirmava que tanto Marega como os adeptos estiveram mal. 

Da parte da associação SOS Racismo surgiu uma condenação às ofensas de que Marega foi alvo: “A dignidade humana é muito mais importante e relevante do que um mero jogo de futebol”. A associação pede a “todos os agentes desportivos, clubes, jogadores, equipas técnicas, árbitros, Liga e Federação Portuguesa de Futebol” que condenem “sem reservas mais um episódio triste do futebol português”. “Infelizmente, este episódio não é exclusivo do futebol ou do desporto em geral. É transversal na sociedade portuguesa e tem de ser enfrentado, antes que se torne incontornável.”

“Respeito por Marega. Respeito pelo futebol”

A Liga Portuguesa de Futebol Profissional pronunciou-se sobre o caso, afirmando que “a grandeza da instituição Vitória Sport Clube não deve ser confundida com as atitudes de alguns adeptos que não têm lugar no futebol e no desporto”. O organismo liderado por Pedro Proença acrescenta ainda, em comunicado, que “a Liga Portugal tudo fará para que este e todos os episódios de racismo não fiquem impunes”.

Vários clubes juntaram-se também nesta onda de apoio e solidariedade a Marega. O primeiro foi o próprio FC Porto, que publicou um vídeo musical nas suas redes sociais com a descrição “Diz não ao Racismo”, mas não se pronunciando especificamente sobre o caso Marega. 

Também o V. Guimarães se mostrou “ciente da responsabilidade” que tem e censurou “toda e qualquer manifestação de violência, racismo ou intolerância”. “Daí nada se alcança, senão mais violência, mais racismo e mais intolerância”, continuou em comunicado. “Em consonância com esses princípios e valores, o Vitória Sport Clube vai averiguar o sucedido no decurso do jogo realizado no Estádio D. Afonso Henriques, agindo com firmeza e consequência, em cooperação plena com as entidades judiciais competentes.”

O Sporting também emitiu uma posição pública sobre o incidente: “O Sporting Clube de Portugal vem, por este meio, manifestar a sua solidariedade com o jogador Marega do FC Porto e repudiar qualquer acto de racismo e preconceito social” e “as autoridades devem agir em nome de todos aqueles que pretendem elevar o desporto e a sociedade portuguesa”. Na mesma linha, o Rio Ave, o SC Braga e o Tondela publicaram mensagens de apoio ao jogador portista.

O Benfica também se mostrou contra o racismo, num vídeo publicado no Twitter. No entanto, não se posicionou de forma inequívoca em relação ao caso Marega.

Da parte dos seus colegas de profissão, o apoio é inequívoco – apesar de, em campo, Marega ter sido influenciado a manter-se em jogo. Iker Casillas, guarda-redes da equipa, publicou uma foto do avançado na sua conta de Instagram com a descrição “Respeito por Marega. Respeito pelo futebol. Respeito por todos”.

Éder Militão (ex-jogador do FC Porto e actualmente no Real Madrid), Gonçalo Paciência (actualmente no Eintracht Frankfurt, depois de ter passado pelas canteras do FC Porto), e Adrien Silva (actualmente no Mónaco) foram outras das vozes que se manifestaram a favor do avançado do FC Porto, na publicação que o próprio fez no Instagram.