Supremo da Guiné-Bissau mantém braço de ferro com CNE e exige recontagem dos votos

Novo acórdão repete acusação que a Comissão Nacional de Eleições guineense não cumpriu a lei, mas também não aceitou pedido de nulidade das presidenciais apresentado por Domingos Simões Pereira, candidato do PAIGC derrotado na segunda volta e que denunciou múltiplas irregularidades.

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Supremo não aceitou pedido de nulidade das eleições feito por Domingo Simões Pereira, mas não reconheceu resultado que deu vitória a Umaro Sissoco Embaló ANDRÉ KOSTERS/EPA

O Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau emitiu um acórdão em que insiste na repetição do apuramento nacional dos resultados das presidenciais de Dezembro pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) e não reconhece o pedido de nulidade de todo o processo eleitoral, requerido pela candidatura de Domingos Simões Pereira, o candidato derrotado na segunda volta das presidenciais.

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O Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau emitiu um acórdão em que insiste na repetição do apuramento nacional dos resultados das presidenciais de Dezembro pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) e não reconhece o pedido de nulidade de todo o processo eleitoral, requerido pela candidatura de Domingos Simões Pereira, o candidato derrotado na segunda volta das presidenciais.

O Supremo, que na Guiné-Bissau funciona também como Tribunal Constitucional, não confirmou a eleição como Presidente de Umaro Sissoco Embaló, do Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15), e repete com veemência que a CNE não cumpriu a exigência de fazer novo apuramento nacional dos resultados, com base na recomendação do comité ministerial de seguimento da CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental]”.

A CEDEAO, que reconheceu a eleição de Umaro Sissoco Embaló como presidente na segunda volta de 29 de Dezembro, tinha exigido ao Supremo Tribunal a verificação até 15 de Fevereiro do apuramento dos resultados da segunda volta das presidenciais feito pela CNE. As Nações Unidas tinham feito o mesmo. Esse ultimato feito a um órgão de soberania gerou, no entanto, mal-estar e mesmo indignação na Guiné-Bissau - o que parece reflectir-se neste acórdão, nomeadamente na decisão de não aceitar o pedido de nulidade das eleições feito por Simões Pereira.

Os juízes-conselheiros consideraram que a falta da acta final dos resultados eleitorais, que deveria ter sido enviada pela CNE aos órgãos de soberania e aos candidatos no prazo máximo de 24 horas após a contagem nacional da segunda volta das presidenciais, é suficiente para obrigar a que os votos a nível nacional sejam contados novamente.

Essas actas deviam estar na posse do Tribunal até 1 de Janeiro, mas não existem até 4 de Fevereiro, 34 dias depois, diz o acórdão. “Portanto, a CNE violou flagrantemente o princípio da ininterruptabilidade dos actos de apuramento eleitoral, conforme exige a lei eleitoral”, escrevem no acórdão (consultado no blogue guineense Fala de Papagaio) os juízes-conselheiros.

O tribunal recusa-se assim a apreciar “actos extraprocessuais pretensamente eleitorais, praticados em cumprimento de recomendações políticas, como é o caso da suposta ‘verificação e consolidação’ feita na sessão extraordinária da plenária da CNE de 4 de Fevereiro” e continua a exigir a recontagem dos votos a nível nacional.

Por outro lado, o Supremo diz não ter dados suficientes para avaliar o pedido de anulação do processo eleitoral feito pela candidatura de Domingos Simões Pereira, do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) porque contempla “actos praticados pela CNE com base na recomendação do Comité Ministerial de Seguimento da CEDEAO”.

PGR diz tudo correu bem

Na quinta-feira, o Procurador-Geral da República guineense, Ladislau Embassa, lançou ainda mais achas para o braseiro da crise política guineense, afirmando que as presidenciais de 29 de Dezembro decorreram da melhor forma. Afastou qualquer possibilidade de ter ocorrido algo que possa pôr em causa a integridade do processo, relata a agência Lusa.

“Posso dizer-vos que, para o Ministério Público, o processo eleitoral decorreu da melhor forma e não temos nenhuma irregularidade que possamos considerar como passível de pôr em causa a integridade do processo eleitoral”, observou Embassa, em declarações aos jornalistas, à margem da abertura do seminário sobre a cooperação internacional, governação e Estado de Direito, em Bissau.

Em relação à queixa-crime apresentada no Ministério Público pela candidatura de Simões Pereira contra o presidente da Comissão Nacional de Eleições, o juiz José Pedro Sambú, o procurador guineense, também juiz do Supremo Tribunal, defendeu que o caso está a ser analisado para se saber se tem ou não matéria para avançar.

A candidatura de Domingos Simões Pereira quer que o Ministério Público investigue José Pedro Sambu por suspeitas de crimes durante o processo eleitoral.

A ministra da Justiça e Direitos Humanos, Ruth Monteiro, que agora acumula também a pasta dos Negócios Estrangeiros, contestou as declarações do Procurador, considerando-as “infundadas e despropositadas”. Num texto publicado nos blogues guineenses Fala de Papagaio e Ditadura do Consenso, a ministra considera “lamentável” que Ladislau Embassa diga que “o Ministério Público não encontrou quaisquer irregularidades que possam pôr em causa a integridade do processo eleitoral”. Mas, logo a seguir, frisa Ruth Monteiro, “sob a alegação de que o Ministério Público não é parte no contencioso eleitoral que corre os seus termos no Supremo Tribunal de Justiça, escusa-se a responder às questões que lhe foram dirigidas pelos jornalistas em relação às várias irregularidades que hoje se sabe terem afectado a verdade eleitoral, nomeadamente, a intromissão no sistema informático da CNE; a manipulação dos resultados eleitorais por hackers; pessoas que votaram mas cujos nomes não constam do caderno eleitoral; aqueles que votaram com cartões de eleitor pertencentes a terceiros, entre muitas outras irregularidades.”

Umaro Sissoco Embaló, que tem feito périplos por vários países africanos e europeus como Presidente eleito, e se encontra no Sudeste asiático, assegura que vai tomar posse no dia 27 de Fevereiro, mesmo contra a vontade do Parlamento - que só pretende dar posse ao novo Presidente quando estiver resolvido o contencioso eleitoral. “Se for necessário vamos à guerra para que haja a paz”, afirmou. O Governo guineense tinha pedido ao Ministério Público que investigasse a “gravidade das declarações” de Embaló.