Hey, vivemos aqui: mostrem os estudos
Estudo de tráfego? Não há. Estudo de impacto ambiental nas franjas da Baixa? Não há. E há plano para impedir que as novas ruas pedonais e amplas da Baixa se transformem no triste circo que é a Rua Augusta? Há uma solução simples.
Barack Obama ficou célebre por se dirigir aos americanos em emails cujo subject era a palavra “Hey”. Socorro-me desse truque para chamar a atenção — no caso, dos eleitos.
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Barack Obama ficou célebre por se dirigir aos americanos em emails cujo subject era a palavra “Hey”. Socorro-me desse truque para chamar a atenção — no caso, dos eleitos.
Vão tirar os carros do centro histórico de Lisboa e, mais uma vez, os cidadãos são ouvidos depois de o plano estar feito — não antes. Se há alguém que quer menos carros no centro é quem vive no centro, mas a proposta é boa para os residentes ou só é boa para os turistas?
Chega a ser cómico este método de trabalho, depois do que aconteceu no Martim Moniz, quando a câmara municipal achou que era boa ideia pôr 15 contentores na placa central, com 30 a 50 novas lojas e esplanadas, ignorando que muitos dos 13 mil moradores do centro histórico pedem menos esplanadas, menos colunas de música, menos toldos, menos lojas de bugigangas, menos tuk-tuks — e mais espaço livre, mais verde, mais árvores, mais silêncio.
Já sei: quem protesta contra a turistificação descontrolada são os burgueses, artistas e elitistas, que deviam ir para o campo ou viver uns dias na Bela Vista para saber o que são problemas.
Convido os que repetem esse absurdo a irem a uma reunião da junta de freguesia de Santa Maria Maior. Dá trabalho: são depois do jantar e em salas desconfortáveis. Se já foi, sabe como é. Se não foi, informo que os burgueses elitistas se disfarçam bem. Alguns vão vestidos de reformados com pensão mínima, outros de empregada de mesa e outros, menos radicais, mascaram-se de escriturários, talvez em homenagem a Fernando Pessoa — este é o bairro do poeta.
Na reunião para discutir o plano inicial da CML para o Martim Moniz estavam 200 pessoas, uma mistura de estilos, idades, profissões e classes sociais que desafiam estereótipos. Em Alfama, Baixa, Castelo, Chiado e Mouraria, os bairros do centro histórico, somos 13 mil residentes e há de tudo, de Michael Fassbender aos que agora receberam uma casa através do Programa Renda Acessível, criado pela câmara, com rendas controladas que vão de 150 euros (T0) a 800 (T5).
É esta mistura de gente que faz perguntas sobre a criação de uma Zona de Emissões Reduzidas (ZER) anunciada há dias pela câmara.
A proposta prevê que boa parte do tráfego saia pela Rua da Madalena. Nem vou falar da contradição que é dizer que a ZER quer dar qualidade de vida aos “residentes da Baixa” e só eles podem circular na Baixa, ao mesmo tempo que põe esta rua da Baixa fora do desenho protegido e em risco de se tornar a “via rápida da Baixa”.
Analisemos, mesmo assim, a hipótese de a Madalena ser uma boa ideia para escoar os carros da Baixa e das suas franjas, onde mora a maior parte dos residentes do centro histórico. Quantos carros sobem a rua hoje e quantos passariam a subir? Não sabemos. O que diz o estudo de tráfego sobre a futura circulação na Rua da Madalena? Não sabemos. A Rua da Madalena é uma das ruas mais poluídas da Baixa (é a subir e não tem abertura para o rio). O que dizem os estudos da CML sobre o previsível aumento de poluição, sobretudo das partículas finas (PM10 e PM2,5)? Não sabemos. Pedi respostas à junta. Não tem. Pedi à CML. Não tem. “No fim do mês ou em Março”, Fernando Medina vai apresentar o estudo de tráfego em reunião de câmara, disse um assessor. Mas há reuniões de câmara quinzenais, porque não apresenta já o trabalho feito? Silêncio. Fico a pensar: será que a CML não tem um estudo de tráfego?
O mesmo com a poluição. Na informação oficial, Medina cita as medições feitas pela Pollutrack com a DPD, uma empresa de entrega de encomendas, para dizer que a Rua do Arsenal é das mais poluídas da Baixa. “A poluição associada ao trânsito rodoviário é a principal causa para as emissões em Lisboa de dióxido de azoto, com 63%, e partículas finas (PM10), com 62%”, diz o relatório técnico. Esta semana, experimentei a ferramenta da Pollutrack. Na segunda-feira o Campo das Cebolas era a morada mais poluída da Baixa (será dos cruzeiros?), com o nível 48 (“mau”) e ontem estava em 3 (“excelente”). A Rua da Madalena tinha 39 (“mau”) e ontem 17 (“médio”). Estranhamente, pacatas ruas de outros bairros tinham níveis altíssimos de poluição e outras, que estão sempre cheias de carros e autocarros, pareciam o paraíso. Será o vento? Pedi à DPD os dados completos com medições longas para se encontrar médias. Não pode dar. Pedi à CML. Não divulgou.
Assim é difícil discutir propostas para a cidade. Sem dados, sem compreender as razões e sem tempo. Medina quer começar a distribuir os novos dísticos da ZER em Maio e aplicar as novas regras em Junho.
Enquanto esperamos pelos estudos, podemos puxar já outra linha deste debate: qual é o plano para impedir que as novas ruas pedonais e com passeios mais amplos (Garrett, Misericórdia, Prata, São Pedro de Alcântara, laterais da Avenida da Liberdade e Passeio Público, largos do Calhariz e do Chiado) se transformem no circo pobre que é a Rua Augusta? A ZER prevê 4,6 hectares de áreas pedonais. Uma forma simples de impedir que fiquem cobertas de comboios de esplanadas seria cobrar taxas altas. Ter uma esplanada no centro histórico ou na Rua Maria Pia, onde era o Casal Ventoso e que mantém a má fama, custa o mesmo: 19,83 euros por metro quadrado por ano. Porque não subir a taxa para cinco mil euros?