Sudão abre a porta a entregar Bashir ao TPI
Levar o ex-Presidente Omar al-Bashir a responder à justiça internacional faz parte de um acordo alargado entre as autoridades transitórias de Cartum e grupos rebeldes. Nada garante que seja conseguido.
O Sudão disse que vai enviar ao Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, todos os que são investigados por crimes de guerra – incluindo, segundo fonte governamental, o antigo Presidente Omar al-Bashir. Apesar de ter sido feita em modo afirmativo, tratar-se-á não de um anúncio de uma decisão (que seria ou será extraordinária), mas mais provavelmente da oferta de uma concessão de Cartum no âmbito de um acordo de paz - e assim, só será cumprida se houver, de facto, um acordo.
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O Sudão disse que vai enviar ao Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, todos os que são investigados por crimes de guerra – incluindo, segundo fonte governamental, o antigo Presidente Omar al-Bashir. Apesar de ter sido feita em modo afirmativo, tratar-se-á não de um anúncio de uma decisão (que seria ou será extraordinária), mas mais provavelmente da oferta de uma concessão de Cartum no âmbito de um acordo de paz - e assim, só será cumprida se houver, de facto, um acordo.
O porta-voz do Governo Mohammed Hassan Eltaish disse, citado pela emissora britânica BBC, que o país “concordou que todos os que têm mandados emitidos contra si vão comparecer perante o TPI”. Embora não nomeasse o antigo Presidente, Omar al-Bashir tem dois mandados em seu nome emitidos pelo TPI, um em Março de 2009 (o primeiro da instituição contra um chefe de Estado em funções) e outro em Julho de 2010.
Questionado pela agência Reuters, um porta-voz do TPI recusou-se a reagir à informação.
Enquanto era Presidente, Bashir visitou vários países árabes e africanos mesmo após a emissão dos mandados. Se for concretizada, a decisão de o entregar ao TPI será uma reversão assinalável da posição das autoridades de Cartum, que são ainda de transição, após o afastamento de Bashir do poder.
O jornalista do New York Times Declan Walsh aconselha cautela na leitura: “O responsável fez a declaração no Sudão do Sul, não nomeou Bashir, e recentemente tem havido sinais de tensão entre os líderes civis e militares em Cartum” - após a deposição de Bashir, o Sudão tem um governo de transição de três anos com civis e militares, e a decisão, que resultaria de um acordo entre o Governo do Sudão e os grupos rebeldes do Darfur, foi anunciada em Juba, a capital do Sudão do Sul.
A jornalista do britânico Channel Four Yousra Elbagir também sublinhou que “em nenhuma altura Mohammed Hassan Eltaish disse que Bashir vai ser mandado para Haia”. A própria BBC, que dá a notícia de modo afirmativo, tem depois uma análise em que o jornalista da BBC Sudan Mohanad Hashim dizendo que “não há garantia que aconteça” a entrega de Bashir ao TPI, embora tenha sido algo já mencionado anteriormente como possibilidade pelo líder militar Abdel Fattah al-Burhan.
Uma fonte do Governo sudanês disse à CNN que Bashir vai mesmo ser entregue ao TPI. Mas Hashim continua a alertar: “mesmo que aconteça, não será em breve, já que as conversações para acabar o conflito ainda serão longas e a transferência dos procurados - nos dois lados do conflito - teria de fazer parte de um acordo alargado”.
O antigo Presidente foi deposto em Abril de 2019 na sequência de protestos contra o seu regime, e em Dezembro foi condenado por corrupção a uma pena de dois anos a cumprir num centro correccional, já que como tem mais de 70 anos não pode cumprir pena numa prisão comum, uma pena vista como muito branda. É acusado ainda em vários outros processos no próprio Sudão, incluindo por mortes de manifestantes que pediam o seu afastamento do poder.
Bashir, que chegou ao poder após um golpe militar em 1989, é acusado pelo TPI no âmbito de crimes de guerra cometidos pelas forças sudanesas no Darfur entre 2003 e 2008 na resposta a uma rebelião contra o seu regime. O regime armou ainda milícias, chamadas janjaweed, a maioria de tribos árabes, que começaram uma campanha de limpeza étnica das comunidades de origem africana de onde eram a maioria dos revoltosos.
Por acções neste período, Bashir enfrenta cinco acusações de crimes contra a humanidade e duas de crimes de guerra.
Estima-se que tenham morrido 300 mil pessoas durante a guerra no Darfur, que provocou ainda 2,7 milhões de deslocados.
O governo de transição do Sudão está a tentar obter a paz com rebeldes do Darfur e outros movimentos que vinham a lutar contra o regime de Bashir.
Desde 2010 que a região estava relativamente calma, mas tem havido episódios ocasionais de violência nos últimos três anos. Segundo a missão de manutenção de paz na região, morreram pelo menos 65 pessoas em violência durante o mês de Janeiro.
A organização de defesa de direitos humanos Amnistia Internacional reagiu dizendo estar a “verificar” a informação de que Bashir seria entregue ao TPI. A organização tem feito campanha pela entrega pelas autoridades de transição, e considera que é “um escândalo que Bashir continue a escapar de ser preso”.