O doente epiléptico pode e deve ter uma vida normal
Existem cerca de 50 mil pessoas com epilepsia no nosso país e dessas, a maior parte, tem uma vida que pode considerar-se normal, pessoal e profissional, semelhante às das que sofrem, igualmente, de qualquer doença crónica.
A epilepsia é uma doença neurológica muito comum com uma variedade enorme de etiologias, desde as ligadas ao mau funcionamento de alguns genes que existem na zona onde os neurónios (células nervosas) comunicam uns com os outros para passarem informação (por exemplo, um movimento que queremos fazer, uma dor que sentimos em qualquer parte do corpo), e que se chamam as epilepsias primárias ou genéticas (não significa que sejam hereditárias, é preciso ter em mente!), até às que surgem porque, mais uma vez por exemplo, uma pessoa teve uma doença grave na altura do nascimento, sofreu um traumatismo craniano grave ou teve uma trombose no passado, estas chamadas secundárias.
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A epilepsia é uma doença neurológica muito comum com uma variedade enorme de etiologias, desde as ligadas ao mau funcionamento de alguns genes que existem na zona onde os neurónios (células nervosas) comunicam uns com os outros para passarem informação (por exemplo, um movimento que queremos fazer, uma dor que sentimos em qualquer parte do corpo), e que se chamam as epilepsias primárias ou genéticas (não significa que sejam hereditárias, é preciso ter em mente!), até às que surgem porque, mais uma vez por exemplo, uma pessoa teve uma doença grave na altura do nascimento, sofreu um traumatismo craniano grave ou teve uma trombose no passado, estas chamadas secundárias.
Existem cerca de 50 mil pessoas com epilepsia no nosso país e dessas, a maior parte, tem uma vida que pode considerar-se normal, pessoal e profissional, semelhante às das que sofrem, igualmente, de qualquer doença crónica. Na verdade, todo este tipo de doenças obriga a algumas normas de conduta diária que, em regra, não são impeditivas de um dia-a-dia semelhante ao de qualquer pessoa saudável. À laia de exemplo, o diabético não pode comer doces e deve fazer múltiplas refeições diárias, enquanto o hipertenso terá de “esquecer-se” que existe sal.
Pois bem, quase tudo é permitido à pessoa epiléptica embora algumas regras, três, fundamentalmente, devam ser observadas. Primeiro, os medicamentos para a epilepsia (denominados antiepilépticos) devem, diria antes, têm, de ser tomados diariamente, na dose prescrita pelo médico. Depois, o sono diário, noturno, deve ser retemperador. Finalmente, a ingestão de álcool deve ser, como norma, proscrita.
Tive um professor na faculdade, que grande professor era, que dizia na aula sobre hipertensão arterial: “O doente hipertenso não pode comer sal, ponto final! No entanto, se for cumpridor da medicação e das normas que o seu médico lhe ‘pede’ para cumprir, pode comer sal no dia de anos, no dia de Natal, no dia de Ano Novo, num jantar especial com os amigos, nos dias em que os filhos fazem anos.” Faço minhas as palavras dele, mas substituo o sal por um copo de vinho para os doentes epilépticos!
Adicionalmente, e uma vez que durante a maioria das crises epilépticas a consciência da pessoa não está preservada, devemos ponderar seriamente a não-realização de qualquer actividade que possa pôr a vida da pessoa em perigo ou causar-lhe lesões graves. Aconselha-se, portanto, também, a não ter actividades aquáticas (mergulho ou caça submarina, banhos de praia fora de pé ou de imersão em casa), aéreas (parapente, pára-quedas), motoras (motas ou similares). A boa notícia é que, em regra, o exercício/actividade física, e a esmagadora maioria dos desportos não estão interditos, antes devem ser incentivados.
A interdição de conduzir, e falamos genericamente de veículos ligeiros, pode ser um assunto delicado pelo transtorno que causa, mas é uma realidade que tem e deve ser compreendida e aceite. Mais uma vez, a boa notícia é que ela não tem se ser forçosamente para toda a vida, antes a maioria das pessoas com epilepsia voltam a conduzir.
Claro que, e infelizmente, este otimismo não pode ser generalizado a todas as pessoas com epilepsia uma vez que cerca de 25% padece de epilepsias de muito difícil tratamento, frequentemente com graves doenças que a determinam ou acompanham. Para estas, é imperativo intervir de outras formas que não apenas medicação, como dietas especiais (ditas cetogénicas) e diversos tipos de tratamento cirúrgico. Para as famílias e cuidadores — pessoas excecionais que abdicam total ou parcialmente das “suas vidas”, o meu apreço e profunda simpatia.
Infelizmente, particularmente no nosso país, as pessoas com epilepsia sofrem ainda de estigmatização social, profissional, e de outros tipos, inaceitável de compreender e de assentir. Quantos doentes tenho que não arranjam ou foram despedidos do emprego por terem esta doença? Para quantos outros não foi possível manter uma vida familiar estável? Finalmente, quantos não conseguem fazer amigos nem desenvolver relações pessoais? É um assunto que urge denunciar e combater pela injustiça que representa, e que tem preocupado e sido objeto de ações denunciadoras por parte da Liga Portuguesa contra Epilepsia.
Termino com uma palavra de esperança para todos os que sofrem desta doença, para os familiares e cuidadores. A Liga Portuguesa Contra a Epilepsia existe para vos ajudar, A indústria farmacêutica (e temos muito bons exemplos no nosso país) empenha-se ativamente na síntese de novas moléculas que se possam traduzir por mais e melhores medicamentos para tratar a epilepsia. Novas modalidades cirúrgicas não param de surgir possibilitando melhor capacidade de intervenção nas epilepsias de pior controlo. Finalmente, temos vários centros no país com o conhecimento cabal para investigar e tratar as nossas pessoas com epilepsia, tanto médica como cirurgicamente. Assim lhe sejam dadas as condições para o fazer em pleno.
José Pimentel, Neurologista no Hospital CUF Descobertas e no Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte); Professor da Faculdade de Medicina da Faculdade de Lisboa