Berlim e Barcelona, dois exemplos de intervenção musculada
O poder reivindicativo das associações de inquilinos de Barcelona e de Berlim e a autonomia administrativa que têm os governos das duas cidades ajuda a enquadrar a tomada de medidas mais assertivas. Esta segunda debata-se no Porto o caso português
As dificuldades no acesso à habitação estão a agudizar-se em varias cidades da Europa. O problema tem origens semelhantes, e para o mesmo diagnóstico de “excesso” de fogos colocados no mercado turístico, tomaram-se medidas semelhantes, como a limitação do alojamento local.
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As dificuldades no acesso à habitação estão a agudizar-se em varias cidades da Europa. O problema tem origens semelhantes, e para o mesmo diagnóstico de “excesso” de fogos colocados no mercado turístico, tomaram-se medidas semelhantes, como a limitação do alojamento local.
Essa é uma medida que foi tomada tanto em Lisboa, como em Barcelona ou em Berlim. Mas, no caso de Berlim, na Alemanha, e de Barcelona, em Espanha, têm vindo a ser tomadas outras medidas com um maior grau de intervenção dos poderes públicos - que estão apoiados, também, numa sociedade civil bem mais interventiva e mobilizada.
Em Barcelona, por exemplo, há uma nova vaga de promoção de habitação pública, a nível nacional, regional e municipal, assim como a obrigatoriedade de os novos empreendimento imobiliários que surjam na cidade alocarem uma percentagem de fogos para a habitação com renda condicionada.
Avançaram também parcerias entre entidades públicas e privadas, que permitem criar bolsas de habitação de proprietários privados que possam dar resposta às necessidades. Tudo isto ao mesmo tempo e tanto o Estado espanhol como o governo autonómico da Catalunha contribuiram com subsídios ao arrendamento e à reabilitação de edifícios.
O governo estadual de Berlim será, porém, aquele que está a avançar com medidas mais assertivas. O facto de 85% dos residentes na cidade a ocuparem em regime de arrendamento poderá explicar as medidas anunciadas. E o poder reivindicativo da Associação de Inquilinos de Berlim (a Berliner Mieterverein) também.
Os movimentos sociais de Berlim têm, por exemplo, dinamizado uma campanha para obrigar a administração local a municipalizar fracções de habitação de empresas que possuam um número superior a três mil unidades. A nível institucional, e sendo Berlim uma cidade-Estado, tem tido poder suficiente para avançar com acções próprias, como as que limitam os preços de arrendamento e estipulam regras severas à venda e construção nova.
Não é a primeira vez que a cidade de Berlim tenta travar a escalada do preço da habitação fixando tectos máximos às rendas - houve um pacote legislativo nesse sentido que avançou já em 2015. Mas é com as novas regras que entraram em vigor em Janeiro deste ano que, em resposta a algumas questões colocadas pelo PÚBLICO, o director-geral da Associação de Inquilinos de Berlim, Reiner Wild, admitiu que são esperados os efeitos desejados.
O Mietendeckel, o novo regime de congelamento de rendas, que está agora em vigor assenta numa tabela administrativa em que o governo da cidade definiu o preço por metro quadrado que pode ter cada edifício. A tabela tem em atenção a localização do edifício, assim como características do imóvel, nomeadamente o ano de construção e as valências como aquecimento central e casa de banho.
Essa tabela pode começar nos 6,45 euros de renda por metro quadrado num edifício centenário, que tenha aquecimento central e casa de banho, e passar para 9,80 euros de renda por metro quadrado a cobrar nos edifícios construídos entre 2003 e 2013, com as mesmas características de aquecimento central e casa de banho.
O novo regime, em vigor a partir deste ano, impede que os senhorios possam aumentar as rendas nos próximos cinco anos - ou pelo menos nos primeiros dois, e apenas no caso dos senhorios que ainda não estejam a praticar a tabela máxima definida pelo Governo. No caso de haver um novo contrato, os senhorios terão de cobrar a mesma renda que lhes pagava o inquilino anterior. E no caso de pretenderem fazer obras de requalificação do imóvel, e por causa delas aumentar a renda a cobrar aos inquilinos, pode muito bem ser a administração a custear as obras de forma a que o esforço do investimento não recaia nem ao inquilino nem ao senhorio.
Todos estes exemplos vão estar em discussão esta segunda-feira, na segunda conversa do ciclo A Cidade Pelas Pessoas, organizado pelo colectivo Habitar Porto, em colaboração com a Fundação Friedrich Ebert Stiftung. Com o tema “A cidade legislada pelas pessoas”, o painel contará com a intervenção de representantes da associação dos inquilinos de Barcelona, com técnicos municipais que dinamizaram a estratégia local de habitação de Évora, e com Helena Roseta, impulsionadora da Lei de Bases da Habitação em Portugal.
“A ideia é debater as ferramentas que em Portugal podem ser usadas para criar habitação a custo controlado e cidades que se pareçam a nós. Mais do que replicar receitas, interessa perceber os pontos de tangência que permitem avançar com acções nacionais ou transnacionais, já que o uso de instituições europeias para promover alterações legislativas também deve ser usado por quem quer promover a função social de habitação”, explica Aitor Varea Oro, do colectivo Habitar Porto.