Manuel Sá Marques (1923-2020): medicina e humanismo

Médico e antifascista, Manuel Sá Marques era um dos últimos sobreviventes das históricas lutas profissionais que marcaram a segunda metade do seculo XX. Faleceu agora, aos 97 anos.

A Medicina representou para Manuel Sá Marques, ao longo de 70 anos, um compromisso integral com os imperativos da profissão, as solicitações da cultura e a intervenção política, para um exercício permanente da cidadania. Na Ordem dos Médicos, no Sindicato dos Médicos e outros organismos empenhou-se no confronto de ideias, na concretização de projetos e reivindicações para dar resposta aos desafios e interrogações do presente e às solicitações do futuro.

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A Medicina representou para Manuel Sá Marques, ao longo de 70 anos, um compromisso integral com os imperativos da profissão, as solicitações da cultura e a intervenção política, para um exercício permanente da cidadania. Na Ordem dos Médicos, no Sindicato dos Médicos e outros organismos empenhou-se no confronto de ideias, na concretização de projetos e reivindicações para dar resposta aos desafios e interrogações do presente e às solicitações do futuro.

Manuel Sá Marques, que acaba de falecer com 97 anos, era um dos últimos sobreviventes das históricas lutas profissionais que marcaram a segunda metade do seculo XX: a defesa e valorização dos problemas médicos e hospitalares, no âmbito do Programa das Carreiras Medicas. Completavam a sua intervenção no Movimento de Unidade Antifascista (MUNAF); no Movimento de Unidade Democrática (MUD); nas campanhas presidenciais de Norton de Matos, Rui Luís Gomes e Humberto Delgado e outros combates possíveis à repressão salazarista. Após o 25 de Abril, Manuel Sá Marques prosseguiu as lutas desenvolvidas para a concretização dos objetivos prioritários e da estruturação associativas.

Pertenceu Manuel Sá Marques ao último curso da Faculdade de Medicina de Lisboa (1942-1947) regido por mestres da envergadura científica e profissional de Pulido Valente, Cascão de Anciães e Fernando Fonseca, expulsos da cátedra por motivos políticos. Nos Hospitais Civis de Lisboa completou os ensinamentos recebidos, até optar pela especialização.

Foto
Fotografia publicada no blogue de Manuel Sá Marques com a seguinte legenda: "Uma recordação de 14 de Novembro de 2017. António Valdemar, Eduardo Lourenço, Manuel Sá Marques" DR

Discípulo de Ernesto Roma (1886-1978), criador da Diabetologia Social que, ao estagiar nos Estados Unidos, se inteirou da “revolução da insulina” e fundou, em 1926, a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, a mais antiga de todas estas instituições existentes no mundo, Manuel Sá Marques deu significativa continuidade à lição do mestre, atualizando-a com as novas contribuições que foram surgindo. Influenciou várias gerações nos grupos de trabalho que chefiou, incutindo a luta contra a rotina e a burocracia, estimulando o espírito crítico, o rigor e a probidade que se devem conjugar para a eficácia do desempenho da medicina.

No tratamento da Diabetes, Manuel Sá Marques, durante sucessivas décadas, salvou a vida e restituiu a saúde a milhares de crianças, jovens e adultos que recorreram aos seus cuidados e orientação. Em vez de dietas rígidas, recomendava um regime e uma educação alimentar para garantir o equilíbrio das funções corporais e mentais, a fim de insuflar a energia e a vitalidade, reduzindo a fadiga, a depressão e a ansiedade.

Quase até aos últimos momentos manteve, na internet, um blogue, sob a égide de seu avô, Bernardino Machado. Consultando documentos manuscritos e informação publicada em diversas fontes relativas ao fim da Monarquia, à vigência da República e à resistência ao salazarismo, Manuel Sá Marques reconstituiu, passo a passo, um perfil universitário e político que principiou a ser analisado nas Farpas de Ramalho Ortigão e, a seguir, estudado e divulgado por historiadores e críticos como Lopes de Oliveira, Jaime Cortesão, António Ramos de Almeida e, presentemente, Norberto Cunha, catedrático da Universidade do Minho e coordenador científico do Museu Bernardino Machado, em Famalicão.

Integrava-se Manuel Sá Marques na grande tradição que Ribeiro Sanches, em 1763, no Método para aprender a estudar a Medicina definiu nesta síntese lapidar: “nenhum médico foi célebre na sua arte se não teve o entendimento alimentado com o estudo das humanidades. Se assim não for – observou ainda Ribeiro Sanches – convertem-se apenas em obreiros da Medicina, mas nunca serão médicos”.

Tinha, assim, pleno cabimento a proposta da secção sul da Ordem dos Médicos e do Sindicato dos Médicos ao indicarem Manuel Sá Marques para o Prémio Miller Guerra. A proposta era merecida e justa, porque contemplava um médico exemplar e também uma personalidade humana, igualmente, exemplar.

Manuel Sá Marques faleceu no Hospital Garcia de Orta em Almada. O corpo, a partir das 17 horas desta quarta-feira, encontra-se na casa mortuária da igreja de Santa Joana Princesa. O funeral realiza-se esta quinta feira, diz 6 de Fevereiro, no cemitério do Alto de São João, onde, às 16h30, será cremado