António Costa garante que nunca falou com a Casa Militar da Presidência da República sobre Tancos
O Conselho de Estado autorizou o primeiro-ministro a depor por escrito. Juiz Carlos Alexandre enviou 100 perguntas no dia 24 de Janeiro. Respostas deram entrada nesta terça-feira.
Nas respostas às 100 perguntas do juiz Carlos Alexandre sobre o assalto a Tancos e posterior recuperação do material roubado, o primeiro-ministro, António Costa, diz que não pode explicar factos que não eram “do seu conhecimento” e sobre os quais não teve “qualquer domínio”. O magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) tencionava ouvir António Costa em tribunal, mas a pedido deste, o Conselho de Estado, que o próprio integra, autorizou-o a depor por escrito.
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Nas respostas às 100 perguntas do juiz Carlos Alexandre sobre o assalto a Tancos e posterior recuperação do material roubado, o primeiro-ministro, António Costa, diz que não pode explicar factos que não eram “do seu conhecimento” e sobre os quais não teve “qualquer domínio”. O magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) tencionava ouvir António Costa em tribunal, mas a pedido deste, o Conselho de Estado, que o próprio integra, autorizou-o a depor por escrito.
As perguntas foram enviadas a 24 de Janeiro, e nas respostas entregues nas últimas horas, o chefe do Governo garante nunca ter falado com nenhum elemento da Casa Militar da Presidência da República sobre Tancos. O documento que contém as respostas foi divulgado na página oficial do Governo na internet:
Logo de início, sobre as deficitárias condições de segurança dos paióis assaltados diz que “admite” que o então ministro da Defesa tinha conhecimento “pelo menos parcialmente”. O ministro da Defesa era então José Azeredo Lopes, um dos 23 acusados pelo Ministério Público que juntou num mesmo processo o roubo e também a recuperação do armamento numa operação conduzida, sem conhecimento do Ministério Público ou da Polícia Judiciária, por responsáveis da Polícia Judiciária Militar (PJM).
António Costa foi questionado na qualidade de testemunha arrolada pela defesa de Azeredo Lopes, ex-ministro da Defesa, que na segunda-feira foi ouvido no tribunal de Monsanto, na fase instrutória deste caso. Nesta fase, ficará definido quem, entre os 23 acusados, irá a julgamento e por que crimes.
Nas respostas por escrito, o primeiro-ministro diz que nunca falou com o ex-director da PJM, coronel Luís Vieira – outro dos acusados – sobre o assalto a Tancos ou qualquer outro assunto. Além disso, disse desconhecer qualquer relação deste com Azeredo Lopes “para além da relação institucional”. Manteve a confiança política em José Azeredo Lopes, esclarece, por considerar que “este sempre desempenhou com lealdade as funções de ministro da Defesa Nacional”.
Questionado sobre o motivo por que elogiou publicamente a Polícia Judiciária Militar no dia 20 de Outubro de 2017 (dois dias depois de o armamento ser recuperado), respondeu: “Naturalmente, congratulei-me com a recuperação do material militar o que, independentemente das circunstâncias foi, por si, um facto importante.”
E disse-o, apesar de estar absolutamente ciente de que a investigação estava a cargo da PJ e não da PJM, por despacho da procuradora-geral da República da altura, Joana Marques Vidal, porque disso foi informado, acrescentou António Costa.
Quando e como soube do assalto? “A ocorrência” foi-lhe comunicada pelo então ministro no próprio dia 28 de Junho, quando também lhe foi “transmitido que tinham sido efectuadas pelo Exército as diligências apropriadas” e que o sucedido já tinha sido transmitido à PJM e ao Ministério Público. Nesse dia, contactou imediatamente o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Na pergunta em que mais directamente questiona sobre o que sabia Costa do modo como foi recuperado o material de Tancos desaparecido em 28 de Junho de 2017, o juiz de instrução criminal refere especificamente um email enviado pelo ex-director da PJM, coronel Luís Vieira, ao investigador desta polícia, major Vasco Brazão, e em que o primeiro informa o segundo de que António Costa já estaria a “receber inputs de vários lados”.
Nesse email, Vieira informa Vasco Brazão: “Atenção que eu ao chefe da casa militar do PR [Presidente da República] contei tudo o que sabia à data de 19 de Setembro, o primeiro-ministro deve estar a receber inputs de vários lados.”
O juiz quis saber qual o significado deste excerto de correspondência. Assim, reproduz no despacho enviado com as perguntas ao primeiro-ministro os termos exactos desse email, seguidos da pergunta directa: “Mesmo no caso de não ter conhecimento do mesmo, sabe esclarecer o conteúdo desde email? Que inputs, no sentido de informações recebeu nessa data sobre o caso de Tancos?”
Esta é aliás a última pergunta, à qual o chefe do Governo responde: “Não tenho conhecimento de nenhum facto que me permita esclarecer o conteúdo desse email e todas as informações que recebi nessa data sobre o caso de Tancos estão relatadas nas respostas a este conjunto de perguntas.”
Por outro lado, é com um simples “não” que o primeiro-ministro responde se tinha conhecimento de um outro episódio: quando a 28 de Agosto de 2017, no contexto de uma cerimónia militar, o tenente-general Martins Pereira [que era chefe de gabinete de Azeredo Lopes] terá confidenciado ao vice-chefe de Estado-Maior do Exército, tenente-general Fernando Serafino, que lhe parecia que a PJM andaria em cima dos suspeitos do furto e que era possível que o caso viesse a esclarecer-se, em breve.
O chefe do executivo justifica a publicação do documento que enviou ao juiz na página oficial do Governo nos seguintes termos: “Tendo sido postas a circular versões parciais do depoimento do primeiro-ministro” como testemunha arrolada por José Alberto Azeredo Lopes, “entendeu o primeiro-ministro dever proceder à divulgação pública integral das respostas a todas as questões que lhe foram colocadas”.