OE 2020 tem sido quase um “passeio” para o Governo
Antigos parceiros da “geringonça” têm deixado passar, aprovando ou abstendo-se, as propostas do Governo, e as coligações negativas com a direita não estão (ainda) a sair caras a Centeno
Olhando de longe, a votação do Orçamento do Estado (OE) para 2020 não tem estado, por enquanto, a correr muito mal ao PS e ao Governo. É certo que os antigos parceiros Bloco de Esquerda e PCP ora se têm aliado para votar propostas do PSD, ora têm recebido o apoio do outro lado do hemiciclo, a que se têm juntado umas vezes o PAN, outras o CDS ou ainda o Chega e a Iniciativa Liberal. As propostas de alteração que têm sido aprovadas são aditamentos ao texto. Também é certo que os socialistas foram conseguindo aprovar praticamente todos os artigos da proposta de lei do Governo, boa parte sustentada nas abstenções do Bloco e PCP, como aconteceu na votação na generalidade há um mês.
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Olhando de longe, a votação do Orçamento do Estado (OE) para 2020 não tem estado, por enquanto, a correr muito mal ao PS e ao Governo. É certo que os antigos parceiros Bloco de Esquerda e PCP ora se têm aliado para votar propostas do PSD, ora têm recebido o apoio do outro lado do hemiciclo, a que se têm juntado umas vezes o PAN, outras o CDS ou ainda o Chega e a Iniciativa Liberal. As propostas de alteração que têm sido aprovadas são aditamentos ao texto. Também é certo que os socialistas foram conseguindo aprovar praticamente todos os artigos da proposta de lei do Governo, boa parte sustentada nas abstenções do Bloco e PCP, como aconteceu na votação na generalidade há um mês.
A questão do IVA, votada esta quarta-feira à tarde, será a prova de fogo do Governo e dos socialistas, que esperam que o PSD cumpra a promessa de não aceitar como contrapartida para a descida do IVA qualquer aumento da carga fiscal - que é a solução apontada por BE e PCP, que propõem, por exemplo, a taxação dos lucros mais elevados das empresas, do património mobiliário ou das transferências para paraísos fiscais.
Seria mais um episódio em que o PSD salvava os socialistas. Como acabou por acontecer nesta terça-feira com o complemento solidário para idosos (CSI). Depois de na noite de segunda-feira ter ajudado o PCP a aprovar, com o BE, CDS, PAN, Chega e IL, a regra para que os rendimentos dos filhos deixassem de contar na avaliação de recursos dos idosos, nas avocações o PSD voltou atrás e absteve-se, chumbando a medida. Acabou por ser aprovada a proposta do PS de não serem contabilizados só os rendimentos até ao terceiro escalão.
No PS há entretanto uma rebelião contida: 38 deputados anunciaram que são frontalmente contra o aumento do IVA das touradas de 6% para 23% pretendido pelo Governo, mas Ana Catarina Mendes não aceitou uma proposta de alteração (ao contrário de Carlos César em 2018) e os deputados vão acatar a disciplina de voto e aprovar a medida. Mas fazem uma declaração de voto.
As chamadas “coligações negativas” contra a vontade do PS não representam um impacto financeiro muito significativo; porém, são o sinal claro de que os tempos da “geringonça” sólida não voltarão. Foram aprovados com o voto contra do PS, por exemplo, o salário mínimo para os recrutas das Forças Armadas, apoios à criação literária, actualização de bolsas de investigação. Um sinal meramente político veio da aprovação de uma proposta do PSD que estipula em 850 milhões de euros o valor-limite para empréstimo ao Fundo de Resolução este ano e qualquer acréscimo carece de aprovação do Parlamento (o PS votou contra e o PCP absteve-se).
Entre os compromissos assumidos pelo Governo com os antigos parceiros e com o PAN que já levaram à aprovação de propostas está, por exemplo, a revisão da portaria sobre contratação de auxiliares para escolas, as creches grátis para as crianças até três anos das famílias com menos rendimentos, a taxa sobre os grandes produtores florestais (contribuição especial para a conservação dos recursos florestais), a admissão de 2500 efectivos para a PSP e a GNR, ou a disponibilização de uma verba até 5 milhões de euros para o combate à vespa asiática.
O processo de votações, que começou já pelas 16h30, arrastou-se noite dentro - o regime do IRS e do IRC só seriam votados muito depois da hora de fecho desta edição. Os deputados tinham deixado muitas propostas do dia anterior, foram adiando sucessivamente alguns assuntos e outros até votaram, mas depois voltaram atrás por causa de pequenas alterações entradas em cima da hora. Foi o caso dos “vistos gold” - primeiro foi aprovado o “travão” nas áreas metropolitanas, mas depois o assunto foi remetido para o final da noite. Até parecia que as dúvidas sobre o regime vinham do próprio PS - de manhã o Governo tinha deixado sem resposta a centrista Cecília Meireles, que quis saber onde estava de facto a proibição dos vistos para Lisboa e Porto.
Durante a manhã, os secretários de Estado de Mário Centeno não se cansaram de repetir os avisos da necessidade de consolidação orçamental e de acusar o PSD de fazer propostas despesistas. Mas o debate na especialidade azedou com uma troca de palavras entre os deputados do Chega e do BE sobre seriedade e uma crítica dura do Governo a uma proposta da Iniciativa Liberal (IL).
Depois de BE e PCP pedirem uma revisão dos escalões de IRS, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, comprometeu o Governo com uma redução de impostos em 2021. “Conseguiremos no próximo ano fazer uma grande baixa de impostos sobretudo para os rendimentos médios”, disse, depois de salientar a reforma dos escalões do IRS realizada pelo Governo em 2018.
A questão da elevada carga fiscal foi criticada pelo PSD, pelo CDS e também por João Cotrim Figueiredo, da IL. A propósito da proposta deste deputado, o secretário de Estado não poupou nas palavras: “É inepta.” “É mesmo injusta do ponto de vista social”, disse Mendonça Mendes, referindo que é equivalente a tributar um salário de um deputado com a mesma taxa do que “alguém que ganha o salário mínimo nacional”. Em causa está a proposta de que o IRS passe a ter apenas dois escalões, em vez dos actuais oito: um até aos 50.000 euros de rendimento por agregado com uma taxa de 15% e outro para rendimentos superiores, no valor de 27,5%. No final do debate, o secretário de Estado dirigiu-se ao lugar na bancada onde estava sentado João Cotrim Figueiredo e os dois conversaram, de forma amena, durante alguns minutos.
Menos calmo parece ter sido o fim do pingue-pongue entre André Ventura, do Chega, e Moisés Ferreira, do BE. A propósito da atribuição de médicos de família, o bloquista acusou o deputado do Chega de falta de seriedade. “Desse lado não há gente séria”, disse, o que gerou protestos entre alguns deputados do CDS, que estão sentados perto do deputado único. André Ventura pediu a defesa da honra e rejeitou a crítica. “Não lhe admito que coloque em causa o carácter e honra de quem quer que seja e muito menos a minha, não a si nem a ninguém dessa bancada.” Mas na resposta Moisés Ferreira reiterou: “Não há gente séria na bancada do Chega.” André Ventura queria responder novamente, mas o presidente em exercício da Assembleia da República, José Manuel Pureza, recusou dar-lhe a palavra por considerar que o regimento não permitia, uma vez que apenas prevê uma réplica ao pedido de defesa da honra.
A líder da bancada do CDS, Cecília Meireles, também se sentiu visada pela acusação do BE e respondeu: “O senhor deputado disse que deste lado do hemiciclo não havia gente séria. Terá as discussões que entender com a bancada do Chega, agora, senhor presidente, há coisas que não são admitidas aqui.” com Luciano Alvarez