Enquanto o coronavírus avança, a xenofobia alastra-se pelo mundo
Pelas redes sociais, espalham-se lamentáveis relatos de pessoas, muitas vezes da terceira ou quarta geração de imigrantes chineses, reportando os olhares de desconfiança, o afastamento físico nos espaços públicos e os comentários discriminatórios com que têm convivido.
Diante do cenário que se desenhou no mundo após a descoberta do novo tipo de coronavírus, cujo epicentro de transmissão se deu num mercado na cidade de Wuhan, na China, em finais do ano passado, outro problema parece proliferar e este não é nada novo: a xenofobia.
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Diante do cenário que se desenhou no mundo após a descoberta do novo tipo de coronavírus, cujo epicentro de transmissão se deu num mercado na cidade de Wuhan, na China, em finais do ano passado, outro problema parece proliferar e este não é nada novo: a xenofobia.
Desde que se descobriu e tornou-se pública a potencialidade do risco de transmissão inter-humanos do coronavírus pelo mundo, os casos envolvendo situações de xenofobia contra pessoas provenientes da Ásia, e não só, também se avolumaram. Muitas dessas pessoas nem sequer de nacionalidade chinesa ou naturais da cidade de Wuhan. Muitas nunca tendo pisado alguma vez o continente onde tudo começou. É simples: na xenofobia, não importam os dados, pois, como todo radicalismo, o que vale é a construção do estereótipo social a ser alvo da aversão. O estereótipo do portador do coronavírus, infelizmente, está formado nestas alturas da nova década e, por isso, merece nosso repúdio.
Das relações sociais diárias em países em que nem mesmo houve casos confirmados à política de proibição de chineses em voos por algumas companhias aéreas internacionais ou ao bloqueio de fronteiras internacionais, a xenofobia alastra-se impiedosa pelo mundo. Chama a atenção que nenhum dos organismos internacionais que lidam directamente com o surto, tal como a Organização Mundial de Saúde, na esteira de regulamentos internacionais, tenha orientado a prática discriminatória nestas situações. A precaução não deve ser motivação para o extremismo sociopolítico nas medidas de contenção do vírus.
Pelas redes sociais, espalham-se lamentáveis relatos de pessoas, muitas vezes da terceira ou quarta geração de imigrantes chineses, em várias cidades cosmopolitas ao redor do globo, reportando os olhares de desconfiança, o afastamento físico nos espaços públicos e os comentários discriminatórios com que têm convivido. Alimenta-se ainda mais esse discurso — aí sim virulento — de ódio contra indivíduos com determinados traços fenotípicos, a propagação de fake news pelas redes, colocando a população em alerta para um perigo que não encontra relação com a realidade.
O facto é que este não é o primeiro e, ao que tudo indica, não será último caso de um vírus que colocará a comunidade internacional de sobreaviso. Actos de discriminação e xenofobia neste contexto não ajudarão absolutamente em nada o combate efectivo do vírus. Só acirram os ânimos sociais, que neste momento precisam estar voltados para a informação séria dos cuidados necessários diante de um possível cenário de pandemia.
Aliás, quando se fala em globalização, geralmente esquece-se o que ela também implica em dimensões deletérias: ao passo em que se globalizam tecnologias e informação, globalizam-se também os vírus e o esforço para combatê-los. Neste cenário, não é eventualmente aquele vizinho, português nato e neto de um imigrante chinês que nem sequer fala mandarim, que ameaça a sua integridade física, pois estamos todos igualmente expostos. Na globalização dividimos os bónus, mas já está na hora de começarmos também a socializar os inúmeros ónus do nível civilizatório escolhido e a não os deixar, por conveniência, na conta de um ou mais indivíduos devido a estereótipos. Necessário se faz, pois, unir esforços para impedir não só a propagação do coronavírus, mas também para erradicar a xenofobia em casos de alarme sanitário internacional.