Não se lembra de ver um pirilampo? A perda de habitat, a iluminação nocturna e os pesticidas são os responsáveis

Especialistas de todo o mundo responderam a um inquérito coordenado por uma universidade norte-americana e, apesar de algumas variações regionais, a percepção global é a de que a diminuição das populações de pirilampos nas últimas décadas se deve àqueles três factores.

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Pirilampo da espécie Lampyris noctiluca Jason Steel

Se calhar ainda se recorda do tempo em que, no Verão, bastava afastar-se um pouco das partes mais iluminadas da cidade para encontrar luzinhas a tremelicar nos campos mergulhados na escuridão. Pode ter sido num desses encontros acidentais que descobriu que aquelas luzes misteriosas pertenciam a pirilampos. E é provável que já há algum tempo que não tenha qualquer encontro desses. Os pirilampos estão a diminuir e um inquérito agora divulgado aponta o dedo aos principais culpados. Segundo os especialistas nestas criaturas que alimentam a imaginação, graças à sua bioluminescência, os principais responsáveis por esse desaparecimento são a perda de habitat, a iluminação nocturna e o uso de pesticidas.

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Se calhar ainda se recorda do tempo em que, no Verão, bastava afastar-se um pouco das partes mais iluminadas da cidade para encontrar luzinhas a tremelicar nos campos mergulhados na escuridão. Pode ter sido num desses encontros acidentais que descobriu que aquelas luzes misteriosas pertenciam a pirilampos. E é provável que já há algum tempo que não tenha qualquer encontro desses. Os pirilampos estão a diminuir e um inquérito agora divulgado aponta o dedo aos principais culpados. Segundo os especialistas nestas criaturas que alimentam a imaginação, graças à sua bioluminescência, os principais responsáveis por esse desaparecimento são a perda de habitat, a iluminação nocturna e o uso de pesticidas.

O estudo foi liderado por uma equipa de biólogos da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, contou com a participação da União Internacional para a Conservação da Natureza, e foi publicado esta segunda-feira na revista Bioscience. Os resultados, como os próprios autores referem, devem ser interpretados “com cautela, porque reflectem apenas a opinião de especialistas em relação às ameaças percepcionadas por eles à persistência dos pirilampos”. Mas a unanimidade entre os 49 especialistas de todo o mundo que responderam a todas as questões enviadas pela equipa coordenada pela bióloga Sarah Lewis não deixa muita margem para dúvidas.

A perda de habitat foi identificada, globalmente, como a maior ameaça à existência dos pirilampos. Apesar de estarem identificadas mais de duas mil espécies de pirilampos em todo o mundo, e de terem, entre elas, características bastante distintas, a verdade é que a generalidade dos habitats em que proliferam – pântanos, mangais, parques, florestas, campos agrícolas ou pastagens – tem sofrido uma diminuição, uma fragmentação ou acabam por ser influenciados por outros dos factores identificados como um risco pelos especialistas.

Olhando para as respostas recolhidas em diferentes partes do globo – só de África não chegou qualquer informação –, é possível perceber que esta perda de habitat tem causas diferentes em diferentes regiões. Na Europa, por exemplo, ela aparece muito associada à urbanização dos terrenos, à industrialização e à intensificação da agricultura, ligada ao uso de pesticidas. Na Malásia, o maior problema prende-se com a transformação dos habitats destas espécies em plantações de óleo de palma ou em quintas para a aquacultura.

Entre os factores de risco identificados pelos especialistas, a iluminação nocturna aparece no segundo lugar das suas preocupações, chegando ao topo entre as respostas recolhidas no Sudeste asiático e na América do Sul. A luz emitida pelos pirilampos é essencial nos rituais de acasalamento de grande parte das espécies e é sobretudo aí que a presença de iluminação artificial se torna um risco. “Além de perturbar os biorritmos naturais – incluindo os nossos –, a poluição luminosa atrapalha mesmo os rituais de acasalamento dos pirilampos”, explica Avalon Owens, um dos biólogos de Tufts envolvido no estudo.

Faltam mais estudos

Os resultados apontados no artigo agora publicado vão ao encontro do que já fora identificado como causas de declínio da população de pirilampos, em estudos anteriores, e o terceiro risco a receber maior atenção a nível global – o uso de pesticidas – não foge à regra. Como se destaca no artigo, “apenas alguns estudos investigaram o efeito directo [dos pesticidas] nos pirilampos, mas sabe-se que os insecticidas de largo espectro afectam de forma adversa muitos insectos que não são o seu alvo”. Entre eles, claro, os pirilampos.

Os autores do estudo salientam que os pesticidas são particularmente prejudiciais para as larvas destas espécies, que se desenvolvem durante meses em águas ou solos que podem estar contaminados. Também a este nível há algumas diferenças regionais. Se na Europa, por exemplo, o uso exterior de neonicotinóides (insecticidas que derivam da nicotina) foi proibido a partir de Abril de 2018, eles ainda são usados tanto na agricultura como em zonas residenciais em vários pontos do globo, incluindo nos Estados Unidos.

Apesar dos resultados agora divulgados reforçarem a noção dos riscos existentes já conhecidos para a sobrevivência dos pirilampos, Sarah Lewis salienta que é preciso muito mais informação e estudos para traçar um cenário definitivo sobre o futuro destas criaturas. “Precisamos mesmo de melhorar a informação prolongada no tempo sobre as tendências das populações de pirilampos”, diz a especialista no texto de divulgação do artigo.

Por cá, Henrique Alves, do Parque Biológico de Gaia – onde todos os anos, em Junho, se organizam as Noites dos Pirilampos –, confirma que o declínio destas populações tem-se tornado evidente, mas também que faltam mais estudos que certifiquem oficialmente essa queda. “Os insectos são um grupo muito vasto e os pirilampos, mesmo sendo muito vistosos e atractivos, não levaram a que haja assim tantos estudos sobre eles”, afirma.

Apesar de no Parque Biológico de Gaia, onde existem seis espécies de pirilampos, as populações de “vários milhares” se manterem estáveis, graças à fraca iluminação e ao não uso de pesticidas, o biólogo e actual director do parque reconhece que o mesmo não se passa no exterior das suas fronteiras. “A percepção geral das pessoas que nos vão falando das memórias de quando eram jovens é que a quantidade diminuiu drasticamente”, explica.

Em Junho, as Noites dos Pirilampos regressam ao parque e, este ano, entre 17 a 20 desse mês, também estará por lá um simpósio internacional inteiramente dedicado a estas criaturas que emitem luz graças a uma reacção química entre o oxigénio e a molécula luciferina, que oxida na presença da enzima luciferase, produzindo energia luminosa. Os temas são variados, “até falaremos dos pirilampos na arte”, garante Henrique Alves. E, pelo meio, de certeza, dos riscos que os pirilampos enfrentam diariamente.