Deixar de fumar pode reverter (algumas) mutações nas células
Estudo publicado na revista Nature revela que há um conjunto de células dos brônquios que recupera até níveis normais de mutações quando uma pessoa deixa de fumar.
Parece que nem tudo está perdido ou danificado para sempre para um viciado em tabaco. Um estudo publicado na última edição da revista Nature mostra que abandonar o absurdo risco de fumar pode ser o suficiente para reverter danos nas células no pulmão. Aparentemente, há um conjunto de células que pode recuperar até aos níveis normais de mutações quando (e se) uma pessoa deixa de fumar. A conclusão é baseada num estudo que envolveu a análise de biópsias do tecido de 16 pessoas e um total de 632 perfis genéticos de células do pulmão sequenciadas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Parece que nem tudo está perdido ou danificado para sempre para um viciado em tabaco. Um estudo publicado na última edição da revista Nature mostra que abandonar o absurdo risco de fumar pode ser o suficiente para reverter danos nas células no pulmão. Aparentemente, há um conjunto de células que pode recuperar até aos níveis normais de mutações quando (e se) uma pessoa deixa de fumar. A conclusão é baseada num estudo que envolveu a análise de biópsias do tecido de 16 pessoas e um total de 632 perfis genéticos de células do pulmão sequenciadas.
Aparentemente, alguns “sinais” do fumo do tabaco no nosso ADN acabam mesmo por desaparecer. A possibilidade de recuperar dos danos causados nas células do pulmão pela exposição ao tabaco pode ser mais um forte argumento para deixar de fumar. Isto se a extensa lista de prejuízos apresentados em milhares (serão milhões?) de estudos científicos não chegar para convencer um fumador. Ou seja, este é um motivo válido para apresentar a alguém resignado com vários anos passados como fumador e que se apresse a concluir que já tudo ou quase tudo foi danificado e está perdido.
Para entender os efeitos do tabagismo no nível celular, a equipa do Instituto Wellcome Sanger e da University College de Londres liderada por Peter Campbell estudou células epiteliais brônquicas de 16 pessoas: três crianças, quatro adultos que nunca fumaram, seis ex-fumadores e três fumadores. A partir deste grupo de pessoas foram sequenciadas 632 células brônquicas individuais para obter um conjunto de dados sobre as mutações genéticas. No fundo, os cientistas procuraram as assinaturas do tabaco no ADN e um “padrão” nas mudanças genéticas destas células não cancerosas.
Os autores descobriram que o tabagismo resultou na maioria das mutações, mas, inesperadamente, também resultou numa maior variabilidade no número de mutações de célula para célula dentro do mesmo indivíduo. As células da mesma biópsia do epitélio brônquico podem variar dez vezes no número de mutações (de mil por célula a mais de dez mil por célula). Mais de nove em cada dez células dos fumadores tinham até dez mil alterações genéticas adicionais quando comparadas com as amostras das pessoas que nunca fumaram. E mais de um quarto destas células danificadas tinha pelo menos uma mutação associada a cancro.
Embora os fumadores e ex-fumadores apresentassem mais células com níveis aumentados de mutações, os cientistas identificaram nos ex-fumadores mais células com níveis de mutações considerados “normais”, ou seja, os níveis encontrados em pessoas da mesma idade e que nunca fumaram.
Células com uma carga de mutações quase normal eram raras nos fumadores, mas eram quatro vezes mais frequentes em ex-fumadores, correspondendo a 20 a 40% das células estudadas. Sendo que isto não significa uma recuperação total, como é óbvio. Segundo esta equipa de investigadores, uma pessoa que nunca fumou terá praticamente 100% das suas células com níveis de mutações normais e no fumador sobram apenas entre quatro e 10% das células com níveis normais. O ex-fumador faz subir essa percentagem para entre 20 a 40%. Ou seja, apesar do benefício, há sempre uma factura a pagar por este risco voluntário.
“Nunca é demasiado tarde para deixar o tabaco – algumas pessoas no nosso estudo fumaram mais de 15 mil maços de cigarros durante toda a sua vida e passados poucos anos de terem deixado de fumar muitas das suas células nas vias respiratórias não mostram provas de danos causados pelo tabaco”, refere Peter Campbell num comunicado de imprensa da Cancer Research UK.
Embora o estudo tenha mostrado que as células saudáveis dos pulmões podem começar a reparar o revestimento das vias respiratórias nos ex-fumadores e ajudar a protegê-las contra o cancro de pulmão, o tabagismo também causa danos mais profundos que podem levar por exemplo ao enfisema, doença pulmonar crónica. “Este dano não é reversível, mesmo depois de parar de fumar”, sublinham os cientistas no comunicado.
Sam Janes, um dos autores do artigo, realça a importante mensagem de saúde pública neste estudo que mostra que realmente vale a pena parar de fumar para reduzir o risco de cancro de pulmão. “Parar de fumar em qualquer idade não só diminui a possibilidade de acumular mais danos, como também pode recuperar células que não foram danificadas por escolhas anteriores de estilo de vida. A investigação deste processo pode ajudar a perceber como estas células se protegem e potencialmente levar a novas estratégicas terapêuticas para o cancro.”
Há outros estudos que já demonstraram outros benefícios importantes na recuperação de um ex-fumador, desde o que se sente na carteira com a poupança financeira até ao fôlego com um menor esforço para subir uns lances de escadas, passando pelo regresso de sentidos como o paladar e o cheiro. Agora temos também este conjunto de células que consegue recuperar até níveis normais de mutações. Mas, para um fumador usufruir deste ou de muitos outros benefícios, é preciso deixar de fumar.