Ano novo, estereótipos velhos

O problema com O Programa da Cristina não está no desejo de celebrar a cultura chinesa, nem sequer no vestuário propriamente dito, mas na forma como o outro foi representado.

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O Programa da Cristina/Facebook

A 27 de Janeiro, segunda-feira, o Programa da Cristina​, na SIC, dedicou vários segmentos ao Ano Novo Chinês. Houve espaço para performances artísticas, entrevistas e até uma pequena aula de mandarim. E era aqui que deveria ter parado. Contudo, a direcção do programa achou que seria sensato que a apresentadora e o comentador residente, Cláudio Ramos, envergassem uma espécie de veste tradicional enquanto partilhavam um diálogo em pseudo-mandarim. Entenda-se, em português com um estereotípico sotaque chinês. Tratou-se de um sketch breve, mas nem por isso menos xenófobo.

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A 27 de Janeiro, segunda-feira, o Programa da Cristina​, na SIC, dedicou vários segmentos ao Ano Novo Chinês. Houve espaço para performances artísticas, entrevistas e até uma pequena aula de mandarim. E era aqui que deveria ter parado. Contudo, a direcção do programa achou que seria sensato que a apresentadora e o comentador residente, Cláudio Ramos, envergassem uma espécie de veste tradicional enquanto partilhavam um diálogo em pseudo-mandarim. Entenda-se, em português com um estereotípico sotaque chinês. Tratou-se de um sketch breve, mas nem por isso menos xenófobo.

Fãs do programa decerto dirão que se tratou de uma brincadeira sem maldade, e eu  partilho da ideia: se Cristina Ferreira e a sua equipa fossem mal-intencionados, não teriam alocado um programa inteiro à celebração do Ano do Rato. No entanto, com ou sem intenção, fazer televisão para milhões de pessoas acarreta responsabilidades sociais, mais ainda quando se trata do programa da manhã com maior audiência a nível nacional. Todos nós já ouvimos piadas boçais sobre gente de olhos em bico que troca a letra “r” por “l” ou, em casos mais extremos, que cozinham os seus velhotes no momento da morte (escutei esta umas três vezes). O caso mais danoso de que me recordo é o de um taxista que, vendo no meu telemóvel uma foto da minha namorada chinesa, me perguntou se “com as orientais aquilo é mesmo apertadinho como dizem”.

Para um país como Portugal, cuja posição privilegiada em Macau permitiu uma relação secular com a China, é absolutamente lamentável que este tipo de discurso ignorante sobre a sua cultura continue a figurar na nossa televisão, alimentando estereótipos antigos nas mentes dos mais susceptíveis.

Muitos, provavelmente, desconsiderarão estas críticas com acusações de sensibilidade excessiva. Outros talvez julguem que estou prestes a incorrer num rant sobre apropriação cultural. Na verdade, eu não considero que haja nada de errado em prestar tributo a uma cultura diferente, e isso pode passar, inclusive, pela adopção das suas formas de falar, vestir e até pensar (coisa que se faz pouco nos dias que correm). O problema com O Programa da Cristina não está no desejo de celebrar a cultura chinesa, nem sequer no vestuário propriamente dito, mas na forma como o outro foi representado. Tudo o que de positivo foi apresentado neste programa, até mesmo por cidadãos chineses, perde poder de persuasão quando é precedido por uma caricatura grosseira que perpetua a imagem datada que muitos portugueses ainda têm dos chineses.

Nas redes sociais, o esgoto da democracia, são igualmente vários os comentários que elogiam o sketch pela sua disposição divertida e humor. Ora, não me cabe a mim dizer o que tem graça ou não; o humor é subjectivo e, pessoalmente, acredito que se possa troçar de tudo; mas há que ter contexto. E, na minha opinião, a sociedade portuguesa, em geral, ainda não está suficientemente informada e familiarizada com a comunidade chinesa para a parodiar sem contraditório. Em Portugal, os chineses sempre foram uma minoria relativamente silenciosa, especialmente ao nível da representação política e mediática, o que gera uma relação assimétrica para com a maioria. Enquanto não houver maior visibilidade dos chineses nos media portugueses, através do surgimento de mais figuras mediáticas chinesas e luso-chinesas, não podemos aceitar que se repita o mesmo tipo de representação anacrónica de sempre: já chega de arroz.