Clima – 10 resoluções para 2020
As resoluções que proponho são exequíveis, não aumentam a despesa pública e não implicam mudanças sensíveis no nosso modo de vida. O que fazem é cortar com práticas arreigadas há décadas e geralmente entendidas como normais.
Enquanto a Austrália continua a arder, talvez seja boa altura para nos prevenirmos e darmos um exemplo.
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Enquanto a Austrália continua a arder, talvez seja boa altura para nos prevenirmos e darmos um exemplo.
Mais de 30 anos depois de estabelecido o consenso científico sobre o impacto dos gases com efeito de estufa no clima, o sentimento de estarmos perante uma “emergência climática” parece ter atingido o comum dos cidadãos “et pour cause” os políticos de (quase) todos os quadrantes.
No entanto, a resposta política a um problema global de longo prazo é particularmente difícil no actual contexto planetário. Como organizar uma resposta comum a cerca de 200 países, maioritariamente organizados em sistemas democráticos com rotações governamentais de quatro ou cinco anos e sem nenhuma liderança internacional clara?
Talvez o presidente Macron tenha aberto um novo caminho ao ameaçar “sanções” económicas (não assinar o acordo UE-Mercosul) para forçar alguma acção na Amazónia. Mas ainda vai demorar até se conseguir uma coordenação internacional efectiva, isto é, que vá além das mentiras piedosas do Acordo de Paris.
Entretanto, será que, neste pequeno rectângulo, podemos e devemos fazer alguma coisa?
Muitos têm dito que nada do que fizermos fará diferença e que o melhor é esperar para ver. Discordo profundamente. Por um lado, temos que nos proteger dos efeitos da mudança, cada vez mais rápida, do clima (em 2019, a temperatura média em Lisboa ficou 1,8ºC acima do normal). Por outro, ser capaz de tomar a dianteira nas medidas de mitigação das emissões elevará o nosso poder negocial quando forem tomadas medidas mais dolorosas a nível global.
As resoluções que proponho são exequíveis, não aumentam a despesa pública e não implicam mudanças sensíveis no nosso modo de vida. O que fazem é cortar com práticas arreigadas há décadas e geralmente entendidas como normais.
- Parar toda a construção e reconstrução de edificações nas zonas alagáveis e inundáveis. A eventual destruição de edifícios provocada por cheias ou inundações deverá levar à sua automática relocalização em zona de baixo risco.
- Não construir nem mais um km de estrada ou auto-estrada. Sendo o tráfego rodoviário uma das maiores fontes de gases de estufa, não se entende a continuação do investimento numa rede que já está entre as dez melhores do mundo.
- Apostar todo o investimento público em mobilidade no transporte colectivo eléctrico, preferencialmente sobre carris (a nossa rede ferroviária é das piores da Europa). A subsidiação pública do transporte individual, mesmo totalmente eléctrico, deve ser eliminada devido aos seus outros efeitos negativos. O actual diferencial de custo dos veículos eléctricos pode ser suportado pelos próprios utilizadores, que assim darão um contributo mais palpável para a redução das emissões do que a habitualmente invocada “reciclagem” dos resíduos domésticos.
- Reduzir o número e a área ocupada pelos aglomerados urbanos. Se outras razões não houvesse, a redução do consumo de energia, dos tempos de deslocação e dos custos de fornecimento de serviços básicos tornam incompreensível a não adopção destas medidas. Recorde-se que vivemos um declínio demográfico e existem mais de 700.000 casas desocupadas em todo o país.
- Baixar significativamente o consumo de carne de vaca. Aqui está uma área em que os cidadãos podem ser os principais actores. Se cada um e todos os portugueses assim o decidirem, este objectivo será fácil de alcançar. As políticas públicas podem dar uma ajuda, com normas de rotulagem que identifiquem a origem e forma de produção. Dado que somos deficitários na produção de carne de vaca, não são as nossas vaquinhas de pasto que estão em risco.
- Deixar de subsidiar a plantação de árvores. É sempre boa notícia o anúncio de novas plantações, que podem ir de 200 até 25 milhões de árvores, mas a verdade é que a plantação é a parte mais fácil. Na realidade os apoios à florestação, existentes desde 1980, são um fracasso, tendo levado à perda quase total do investimento (público) realizado e à redução da área florestal. Importa é apoiar a gestão florestal a longo prazo, 20-40 anos, para que, depois da plantação, os espaços florestais não sejam deixados à sua sorte.
- Eliminar todos os subsídios aos combustíveis fósseis. Apesar das boas palavras sobre a progressiva “eliminação dos subsídios prejudiciais ao ambiente”, mantêm-se em vigor isenções fiscais para a produção de energia e para os transportes públicos e de mercadorias, com recurso a combustíveis fósseis, que totalizam várias centenas de milhões de euros. Isto é, não apenas, prejudicial ao ambiente, como desincentiva a transição energética.
- Autonomizar e reforçar os Serviços Meteorológicos. Com eventos extremos cada vez mais frequentes e violentos é fundamental reforçar os meios humanos e técnicos dos serviços de meteorologia para aumentar a antecedência e precisão das previsões meteorológicas.
- Evitar utensílios de uso único. Agora que o plástico ganhou uma imagem negativa, muitas pessoas acham adequado usar talheres, recipientes e outros utensílios descartáveis em madeira, papel ou alumínio. Ora esses materiais, apesar de recicláveis, têm uma pegada ambiental considerável. O ideal é abandonar o conceito de usar e deitar fora.
- Tornar transparente a pegada carbónica das empresas. Os empresários nunca perdem uma oportunidade para afirmar a sua consciência ambiental, mas são mais reservados sobre o real impacto das suas actividades. Todas as empresas com um volume de negócios acima de um milhão de euros deviam publicar anualmente um relatório com as suas emissões totais de gases com efeito de estufa. Será assim mais fácil identificar as oportunidades de redução de emissões e certificar a boa cidadania empresarial.
A mudança climática está em curso acelerado. O que fizemos até agora é claramente insuficiente para a travar. Será que os nossos representantes têm a visão e a coragem necessárias para adoptar estas resoluções?