Lei de protecção de denunciantes deixa Rui Pinto de fora

Directiva europeia aprovada em 2019, que ainda não foi transposta para a legislação portuguesa, destina-se apenas a proteger whistleblowers enquadrados em organizações. Ana Gomes lamenta a restrição, mas refere outra legislação que enquadra a situação do hacker responsável pelo Football Leaks e pelo Luanda Leaks.

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Rui Pinto no tribunal em Budapeste CMTV

A futura lei de protecção de denunciantes não protegerá Rui Pinto, autor do Football Leaks, Luanda Leaks e um dos denunciantes envolvidos nos Malta Files. A directiva europeia aprovada no Parlamento Europeu em Abril de 2019 foi a primeira a nível comunitário a criar canais de denúncia seguros para os whistleblowers, defendendo-os de retaliações resultantes destas revelações. Contudo, esta regulação, que terá de ser transposta para a legislação de cada país membro até Abril de 2021, aplica-se aos denunciantes que tenham obtido infracções em “contexto profissional”. Ou seja, que trabalhem dentro de organizações em relação às quais façam denúncia. Algo que, no caso de Rui Pinto, não se verifica.

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A futura lei de protecção de denunciantes não protegerá Rui Pinto, autor do Football Leaks, Luanda Leaks e um dos denunciantes envolvidos nos Malta Files. A directiva europeia aprovada no Parlamento Europeu em Abril de 2019 foi a primeira a nível comunitário a criar canais de denúncia seguros para os whistleblowers, defendendo-os de retaliações resultantes destas revelações. Contudo, esta regulação, que terá de ser transposta para a legislação de cada país membro até Abril de 2021, aplica-se aos denunciantes que tenham obtido infracções em “contexto profissional”. Ou seja, que trabalhem dentro de organizações em relação às quais façam denúncia. Algo que, no caso de Rui Pinto, não se verifica.

A ex-eurodeputada Ana Gomes foi uma das mais activas na aprovação desta directiva. Em declarações ao PÚBLICO, lamentou que não tenha sido possível abranger todos os denunciantes.

“O mandato inicial do Parlamento Europeu, quando foi negociar esta directiva, previa um alargamento do universo de whistleblowers a pessoas fora das organizações. Porque há casos de denunciantes fora das organizações, não é só o caso de Rui Pinto. O Julian Assange, por exemplo. Achávamos que devia ser o mais alargado possível. Foram os governos sentados no Conselho [Europeu] que terminantemente recusaram este alargamento. Eles não queriam sequer a directiva, mas acabaram por a aceitar, limitada às pessoas no interior das organizações”, explica a ex-eurodeputada.

Depois de um processo negocial longo, Ana Gomes diz que não houve outra solução que não fosse aceitar esta limitação. “A certa altura, achámos que era melhor ter esta directiva do que não ter nada e conseguimos a aprovação no final do mandato”, relembra.

A directiva agora aprovada prevê a criação de canais de denúncia seguros no seio de empresas com mais de 50 trabalhadores, tentando reduzir ao máximo o número de queixas que ficam por investigar. Serão também garantidos canais de denúncia externos, junto das autoridades competentes.

No caso de as denúncias não serem devidamente investigadas, a nova directiva protege quem decidir partilhar as informações junto de órgãos de comunicação social. Famílias, facilitadores e outras pessoas ligadas aos denunciantes serão alvo de protecção, dita a directiva.

Juíza negou estatuto de denunciante a Rui Pinto, Ana Gomes discorda

Denunciante, hacker ou ambos? A resposta a esta pergunta poderá ser de vital importância para o homem de 31 anos durante o julgamento do caso em que é acusado de 90 crimes, mas a primeira interpretação jurídica desta questão neste processo, realizada pela juíza de instrução criminal, Cláudia Pina, não foi favorável ao responsável pelo Football Leaks.

No despacho de instrução — onde a magistrada deixa claro que, segundo a sua interpretação das leis e directivas, Rui Pinto não se enquadra na categoria de denunciante —, Cláudia Pina começa por fazer referência a um misterioso manuscrito apreendido ao hacker na sua residência em Budapeste, capital da Hungria.

Algumas frases soltas mostravam o que pareciam ser exigências, não se sabendo ao certo a quem este papel era dirigido, e cuja autoria o Ministério Público (MP) atribui a Rui Pinto. De acordo com a acusação, onde o texto foi reproduzido na íntegra, o hacker exigia poder de veto sobre todas as histórias publicadas sobre a sua pessoa e que envolvessem o projecto [Football Leaks]. As suas despesas e subsistência também deveriam ser acautelados: o português pedia um contrato de cinco anos e um emprego para a namorada, que fosse assegurado o pagamento da renda da casa e “despesas durante muito tempo”.

Para Cláudia Pina, o pirata informático mostra uma intenção clara de garantir “uma quantia que lhe permitisse sobreviver a longo prazo”, bem como “obter rendimentos regulares para si, para a namorada e para a manutenção do projecto Football Leaks”. Algo que, para a magistrada, não se coaduna com a acção desinteressada de um denunciante, que coloca o interesse público acima das necessidades pessoais.

Outros dos factores que a juíza de instrução sublinha é o facto de Rui Pinto não pertencer à Doyen, instituição cujos alegados ilícitos o hacker expôs. Citando a directiva de protecção a denunciantes do Parlamento Europeu — que defende a protecção a whistleblowers que operem no seio das empresas e entidades que denunciam —, Cláudia Pina sustenta que, por este motivo, as acções de Rui Pinto não podem ser vistas, à luz do ordenamento jurídico nacional, com as de denunciantes.

Como argumento final para o seu juízo, a magistrada faz referência à quantia avultada (entre 500 mil euros e um milhão de euros) que Rui Pinto exigiu a Nélio Lucas, gestor do fundo de investimento, em troca da destruição de provas comprometedoras.

Ana Gomes, por seu turno, relembra a quarta directiva contra o branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo. Um dos artigos, o 38.º, determina que os Estados-membros têm a obrigação de assegurar a protecção — incluindo a funcionários e representantes de determinada entidade — aos que comunicarem suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo. Um enunciado mais abrangente que, na opinião de Ana Gomes, deveria ter sido considerado pela juíza.

“A juíza refere-se apenas ao conceito que está na directiva dos denunciantes, que ainda não está em vigor. Ignora completamente aquilo por que devia pautar-se, o artigo 38.º da quarta directiva contra o branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo”, finaliza a ex-eurodeputada.

Rui Pinto aguarda o início do julgamento, aguardando em prisão preventiva desde Março do ano passado. Inicialmente acusado pelo Ministério Público de 147 crimes, o hacker responderá em julgamento por 90 ilícitos, após decisão da juíza de instrução Cláudia Pina. Rui Pinto foi pronunciado por um crime de tentativa de extorsão, seis de acesso ilegítimo, 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência e um de sabotagem informática.