Queixa precipitou registo de site de desinformação na ERC
Em Agosto de 2019, a ERC disse que iam ser realizadas “as respectivas diligências para o cabal cumprimento da lei” no que toca ao site Bombeiros24. Solução passou pelo registo de site de desinformação como publicação noticiosa. Sindicato dos Jornalistas pede esclarecimentos.
Há sites de desinformação registados como publicações periódicas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O Diário de Notícias fala nos casos do Notícias Viriato e do Bombeiros24, que, sem terem jornalistas na equipa, partilham conteúdo enganador ou manipulado e que não respeita o código deontológico dos jornalistas.
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Há sites de desinformação registados como publicações periódicas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O Diário de Notícias fala nos casos do Notícias Viriato e do Bombeiros24, que, sem terem jornalistas na equipa, partilham conteúdo enganador ou manipulado e que não respeita o código deontológico dos jornalistas.
O Bombeiros24 surgiu em 2018, sem qualquer ligação a corporações de bombeiros. No Facebook ganhou escala graças a milhares de partilhas acumuladas em duas páginas que, actualmente, se chamam “Bombeiros Portugueses” e “Bombeiros24”. Nas partilhas realizadas pela página são frequentes os apelos sensacionalistas como “que descanse em paz" em publicações que envolvem mortes. Os artigos publicados são normalmente sobre crime, celebridades e fenómenos meteorológicos extremos. Os cliques acabam por render dinheiro em publicidade para os autores.
Em Agosto de 2019 foi apresentada no regulador dos media uma participação sobre o site que, não tendo jornalistas na equipa, se fazia passar à margem da lei por um órgão de comunicação social. Em resposta a ERC disse ter verificado que “o tratamento dado aos conteúdos disponibilizados poderá consubstanciar uma publicação periódica electrónica”. Por esse motivo, iam ser então realizadas “as respectivas diligências para o cabal cumprimento da lei”.
Em relação “a questões relacionadas com a ética e o respeito do código deontológico dos jornalistas”, levantadas na participação, a ERC afirmou então que essas questões deviam ser tratadas pelo Sindicato dos Jornalistas.
O regulador acabou por propor ao Bombeiros 24 que se legalizasse — registando-se como publicação periódica —, algo que a lei permite mediante um pagamento de uma taxa de inscrição provisória no valor de 61,20 euros. O site, que antes assinava as publicações com o autor “Bombeiro”, passou a ter um estatuto editorial e viu os textos serem assinados por “Paulo André”, que não tem registo na Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ). Ainda assim, a ERC aceitou o registo como “publicação informativa”. Para além de Paulo André, tanto no registo da ERC como na própria página do Bombeiros 24 resta apenas o nome de André Conceição, que também não é jornalista. Nesta altura o site tem ainda registo provisório.
Lido o estatuto editorial, o Bombeiros24 afirma que todos os colaboradores “respeitam e orientam-se pelos princípios e valores espelhados nos documentos que regem a actividade jornalística, como sejam o Código Deontológico, o Estatuto do Jornalista e a Lei de Imprensa”. Também fica a ressalva de que é permitida a “divulgação de artigos de opinião da autoria de cidadãos que não possuam a carteira de jornalista desde que sejam considerados pertinentes”.
Também a página Notícias Viriato está registada na ERC e ao JN o regulador admitiu que o site cumpria “todas as exigências legais”. Criado em 2019, o portal foi responsável por atribuir a um grupo de “rapazes ciganos” a morte em Bragança do cabo-verdiano Giovani Rodrigues, informação que se revelou falsa uma vez que os suspeitos que foram detidos não são de etnia cigana.
O portal foi convidado pela própria ERC a regularizar-se a 12 de Agosto de 2019, através de carta registada. No documento, o site era ameaçado com um processo contra-ordenacional por parte do regulador caso não se registaste, numa coima que podia ir até aos 4.987,97 euros. No Facebook, o Notícias Viriato pediu então ajuda monetária, através de crowdfunding, para pagar “mais taxas e taxinhas” que “envolverão um total à volta dos 300 euros”.
Os fundadores, António Abreu e Jorge Santos, diziam que aquele passo levaria o Notícias Viriato a ser “oficialmente um jornal online diário": “um desafio" que aceitavam “com muita raça e prazer”, numa “verdadeira alternativa jornalística para contrabalançar a hegemonia actual”.
A lei é omissa em relação a estes casos, uma vez que não exige que existam jornalistas entre os colaboradores para que uma publicação seja registada como noticiosa.
O PÚBLICO apurou, junto de fonte na ERC, que nesta quarta-feira o tema será levado a reunião do Conselho Regulador. Foram ainda pedidos esclarecimentos adicionais não tendo, até à data de publicação deste artigo, havido resposta.
O Sindicato dos Jornalistas, contactado pelo PÚBLICO, remeteu para a nota publicada na sua página oficial. O sindicato pediu esclarecimentos sobre o registo de sites de desinformação com o título de “informativos”, considerando “imperioso tratar de forma diferente o que é diferente e tudo fazer para não contaminar o jornalismo e a verdade dos factos com conteúdos falsificados e manipulados para fins ideológicos duvidosos”.
O Bloco de Esquerda já pediu para ouvir com urgência no Parlamento o Conselho Regulador da ERC sobre estes casos.
Este texto foi alvo de um Direito de Resposta publicado a 29 de Junho de 2020, por deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.