Mediterrâneo: a vigilância aérea no combate à migração ilegal
Portugal continuará a contribuir para um mundo mais seguro, mais estável e mais próspero, sem esquecer a visão que nos guia nesta operação: salvar vidas e preservar a dignidade humana.
O emprego de meios de vigilância aérea no combate à migração ilegal no Mediterrâneo tem assumido crescente relevância, devido à sua capacidade para monitorizarem, com rapidez, áreas de maior dimensão, o que contribui para a prevenção das tragédias humanas associadas ao tráfico de pessoas.
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O emprego de meios de vigilância aérea no combate à migração ilegal no Mediterrâneo tem assumido crescente relevância, devido à sua capacidade para monitorizarem, com rapidez, áreas de maior dimensão, o que contribui para a prevenção das tragédias humanas associadas ao tráfico de pessoas.
A migração ilegal no Mediterrâneo é particularmente grave, por se tratar de uma das rotas mais ativas e arriscadas do mundo. De acordo com o projeto Missing Migrants, da Organização Internacional das Nações Unidas para as Migrações, desde 2014 já perderam a vida no Mediterrâneo mais de 19.000 migrantes. Em 2016 foram registadas 5143 mortes, sendo que, desde 2017, este número tem vindo a diminuir, registando-se 1283 mortes em 2019. Mais de 80% dos incidentes ocorreram no Mediterrâneo Central.
Para diminuir estas tragédias humanas o Conselho da União Europeia (UE), no âmbito da Política Comum de Segurança e Defesa, estabeleceu, em 22 de junho de 2015, a Força Naval da UE no Mediterrâneo (EUNAVFOR MED) que, com meios navais e aéreos, foi empenhada numa operação militar de gestão de crises na zona sul do Mediterrâneo Central. Mais tarde, passou a ser denominada Operação Sophia, quando adotou o nome da criança somali que nasceu, em 24 de agosto de 2015, a bordo de um dos navios daquela força naval.
A EUNAVFOR MED foi estabelecida com o duplo objetivo de garantir a segurança das fronteiras marítimas europeias e de conter o fluxo de migração ilegal de África para a Europa. Já em curso, foram adicionados outros objetivos, dos quais se destacam, em 2016, o treino e a formação da Guarda Costeira da Líbia, e a implementação do embargo à venda de armas a este país. Em 2017 a operação foi acrescida dos objetivos relativos à condução de novas atividades de vigilância e de recolha de informação sobre as exportações ilegais de petróleo a partir da Líbia, e à melhoria dos mecanismos de partilha de informações, entre as agências policiais dos Estados membros (Frontex e Europol), relativas ao tráfico de seres humanos.
Cumprindo totalmente os seus objetivos, a Operação Sophia tornou-se um provedor único e multifacetado de segurança marítima para a zona sul do Mediterrâneo Central. Por isso, o seu mandato, com uma duração inicial de 12 meses, já foi estendido cinco vezes. Entretanto, em 29 de março de 2019, suspendeu-se o empenhamento de meios navais, em consequência da discordância, entre os membros da UE, quanto à solução de desembarque dos migrantes ilegais em território europeu. Desde então, a atividade operacional passou a ser feita apenas com meios aéreos, estimando-se que assim continue até 31 de março de 2020, data de término do seu mandato, que se prevê que seja, novamente, prorrogado.
Portugal tem participado neste esforço multinacional com meios navais e aéreos de grande raio de ação, mobilidade, sofisticação e capacidade de permanecerem, por períodos prolongados, nas áreas de operação do Mediterrâneo Central.
Entre agosto de 2016 e março de 2019 foram usados os submarinos da classe “Tridente”, em quatro missões para a EUNAVFOR MED, realizando mais de 3000 horas de navegação na recolha de informação, de que resultou a deteção de milhares de navios e embarcações.
Quanto aos meios aéreos, desde abril de 2016 têm sido empenhadas as aeronaves de patrulha marítima P-3C Orion, contando já com quatro destacamentos na Base Aérea de Sigonella, em Itália, a partir da qual efetuaram mais de 400 horas de voo, num total de 58 missões de vigilância e reconhecimento na zona sul do Mediterrâneo Central.
Nestas missões, através da operação de um conjunto de sensores modernos, dos quais se destacam os eletro-óticos e infravermelhos de alta resolução, bem como o radar de imagem, foi possível realizar uma melhor cobertura das áreas de operação, não só pelo alcance destes dispositivos, mas, sobretudo, pela qualidade da informação recolhida, de que se destaca a identificação da atividade a bordo das embarcações. Como os P-3C dispõem de capacidade de transmissão de imagem e vídeo em tempo real, foi possível partilhar dados com outros meios, aéreos e navais, presentes na zona, providenciando um conhecimento situacional marítimo mais completo e preciso.
O emprego dos P-3C tem-se revelado de enorme valia para a UE, quer pelos excelentes resultados alcançados na monitorização de ações em alto mar, que possam estar associadas aos fluxos migratórios ilegais e ao tráfico de petróleo ou armas, quer pela capacidade de dissuasão que representa uma aeronave com tão avançados e eficazes sistemas, quer ainda pela sua elevada prontidão, versatilidade e flexibilidade, bem patentes na forma como executaram, até hoje, a totalidade das missões atribuídas pelo Quartel-General da Operação Sophia, em Roma.
Cada missão contou, em permanência, com cerca de 30 militares que compõem a Força Nacional Destacada, onde se incluem os tripulantes da aeronave, os especialistas da área de manutenção e apoio da Esquadra 601 “Os Lobos”, bem como os elementos do Comando Aéreo, das áreas de Comunicações e Sistemas, de Logística e de Informações. Todos estes militares contribuem, com o seu profissionalismo, competência e abnegação, para uma missão maior: aumentar a segurança marítima na região, quer pela prevenção de tragédias humanas, através da disrupção dos fluxos de migração ilegal, quer pelo controlo de eventos ligados ao tráfico de petróleo e armas.
Na missão de vigilância aérea na zona sul do Mediterrâneo Central realizada em 2019, o P-3C foi empenhado entre agosto e outubro, efetuando mais de 170 horas de voo, num total de 24 missões, com uma duração média de sete horas de operação ininterrupta e com um raio de ação de mais de 700 km. Foram detetadas 25 embarcações, a maioria sobrelotadas, sem quaisquer condições de segurança, transportando um total de 1295 migrantes. Detetaram-se 14 destroços de embarcações, cujos ocupantes foram resgatados por meios de superfície. Monitorizaram-se dez eventos de salvamento de migrantes pela Guarda Costeira Libanesa e identificaram-se mais de 60 navios mercantes, ao abrigo das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, relativas ao controlo das importações ilegais de petróleo e do tráfico de armas a partir da Líbia.
Estes dados comprovam a importância da Operação Sophia permanecer em vigor, não só com o emprego de meios aéreos, mas, desejavelmente, com uma força aeronaval multinacional, dada a sua maior capacidade e raio de ação para, por meio da recolha e partilha de informações, dissuasão e interrupção das ações de tráfico de pessoas, petróleo e armas, contribuir para a diminuição da perda de vidas humanas no mar.
Em 2020, as Forças Armadas permanecerão empenhadas na Operação Sophia, mantendo a sua participação no combate à migração ilegal no Mediterrâneo. Desta forma, Portugal continuará a contribuir para um mundo mais seguro, mais estável e mais próspero, sem esquecer a visão que nos guia nesta operação: salvar vidas e preservar a dignidade humana.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico