Luanda Leaks, Doyen, Ronaldo, Benfica, Sporting e FC Porto: o que Rui Pinto já revelou
O Football Leaks foi a primeira grande onda de denúncias com o envolvimento de Rui Pinto, o português que assumiu ser o denunciante dos Luanda Leaks. Recorde a informação divulgada até agora.
A confirmação, pelos seus advogados, de que Rui Pinto é o denunciante dos Luanda Leaks colocou o nome do português de Vila Nova de Gaia como destaque noticioso em todo o mundo. Mas não é a primeira vez que o hacker autodidacta é fonte de manchetes. Antes de revelar os meios através dos quais Isabel dos Santos construiu a sua fortuna, Rui Pinto participou também nos Malta Files, caso que expôs vários episódios em que as empresas aproveitaram o regime fiscal suave maltês para pagar o mínimo de impostos possível. Porém, Rui Pinto tornou-se conhecido por ter gerido a plataforma que abalou o mundo do futebol: o Football Leaks.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A confirmação, pelos seus advogados, de que Rui Pinto é o denunciante dos Luanda Leaks colocou o nome do português de Vila Nova de Gaia como destaque noticioso em todo o mundo. Mas não é a primeira vez que o hacker autodidacta é fonte de manchetes. Antes de revelar os meios através dos quais Isabel dos Santos construiu a sua fortuna, Rui Pinto participou também nos Malta Files, caso que expôs vários episódios em que as empresas aproveitaram o regime fiscal suave maltês para pagar o mínimo de impostos possível. Porém, Rui Pinto tornou-se conhecido por ter gerido a plataforma que abalou o mundo do futebol: o Football Leaks.
O site foi criado em Setembro de 2015. Os contratos de jogadores e treinadores — e, em especial, dos valores exorbitantes das suas remunerações e bónus — foram os primeiros documentos a serem tornados públicos, à data sob anonimato, por alguém que desejava revelar os bastidores do futebol mundial. E o Sporting assistiu impotente à forma como a plataforma divulgou o contrato de Jorge Jesus (no Verão anterior à publicação, o técnico tinha deixado a Luz para se juntar aos “leões”). Foram ainda reveladas tentativas que Alvalade fez para contratar Mitroglou e Cervi, dois futebolistas que acabariam por assinar pelo rival Benfica.
No caso do FC Porto, as ligações familiares na cúpula do clube foram escrutinadas pelo hacker. Documentos mostraram que o filho de Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente dos “dragões” há 37 anos, terá lucrado indevidamente com negócios feitos pelo clube: a empresa Energy Soccer, gerida por Alexandre Pinto da Costa, terá recebido comissões em transferências e empréstimos de jogadores.
Com as primeiras revelações a focarem-se no Sporting e no FC Porto, o então dirigente leonino Bruno de Carvalho chegou a acusar a plataforma de estar, de alguma forma, ligada ao Benfica. Contudo, os negócios das águias também seriam escrutinados pelo projecto de Rui Pinto.
Os contornos da transferência de Ola John — e a intervenção do fundo de investimento Doyen na transferência — foram revelados na plataforma. A empresa adquiriu metade do passe do holandês por cerca de 4,5 milhões de euros, contemplando uma transferência de verba de seis milhões de euros em três anos, independentemente do valor de mercado do jogador. Ou seja, mesmo que o jogador não fosse vendido, o Benfica teria de pagar seis milhões de euros ao fundo de investimento.
O mesmo aconteceria se o holandês fosse vendido por menos de 12 milhões de euros. Se a transferência fosse acima desse valor, a Doyen receberia os seis milhões “mais metade de tudo acima dos 12 milhões de euros”, explica o livro Football Leaks, escrito por dois jornalistas da revista alemã Der Spiegel sobre os documentos obtidos pela plataforma.
Ronaldo: crimes fiscais e suspeitas de violação
Cristiano Ronaldo foi outro dos visados nos documentos divulgados no Football Leaks, que revelaram que o internacional português teria colocado 150 milhões de euros num paraíso fiscal, com o objectivo de fugir ao pagamento de direitos de imagem. O futebolista foi investigado em Espanha e condenado a pagar 16,7 milhões de euros ao fisco de Madrid. José Mourinho também teve de pagar dois milhões de euros às finanças espanholas. Vários outros nomes do futebol ligados ao agente português Jorge Mendes também tiveram problemas com as autoridades tributárias: e o próprio foi alvo de investigações em cinco países.
Foi também assim que foi tornado público o caso Kathryn Mayorga: a norte-americana que acusou o português de a ter violado, em 2009, num quarto de hotel em Las Vegas. Na altura, Kathryn terá sido persuadida por uma advogada a optar por um acordo extrajudicial com o jogador que acabou com o pagamento à norte-americana de 375 mil dólares (cerca de 323 mil euros). Em troca, assinou um acordo de confidencialidade que a proibia de nomear o futebolista alegadamente envolvido na agressão sexual.
Porém, a revelação desse acordo de confidencialidade pelo Football Leaks atirou o nome de Cristiano Ronaldo para a imprensa e levou as autoridades norte-americanas a investigarem as suspeitas de violação. Ronaldo negou veementemente ter cometido o crime de que era acusado. Em Julho de 2019, procuradoria do condado de Clark, estado norte-americano do Nevada, decidiu não acusar criminalmente o futebolista, considerando que as acusações não podiam ser comprovadas de forma cabal.
A “guerra” com a Doyen
Um dos principais alvos do hacker foi o grupo de investimento Doyen Investment Sports. Gerido, à época, pelo empresário português Nélio Lucas, o fundo sediado em Malta era para Rui Pinto uma “mancha” no futebol transparente que dizia defender. O papel deste fundo de investimento era simples: ajudava os clubes a suportar o custo da transferência de jogadores retirando, posteriormente, dividendos em vendas futuras, como no referido caso de Ola John. Contudo, o que no papel parecia ser uma simples troca de serviços, assim não o era.
Documentos revelados por Rui Pinto mostravam que, em muitos destes negócios, a Doyen assegurava a existência de cláusulas que garantiam lucros, mesmo que o rendimento do jogador fosse muito abaixo do esperado. Como mostra o livro escrito sobre o caso, muitos clubes ficaram “reféns” do fundo de investimento, vendo-se obrigados a vender as maiores estrelas só para conseguir saldar a “dívida” gerada perante o fundo de investimento.
Foi, em parte, devido a este fundo de investimento, que o hacker foi detido na Hungria. Sob o pseudónimo Artem Lobuzov, Rui Pinto enviou um email a Nélio Lucas, tentando perceber quanto é que o empresário estaria disposto a pagar pelo seu silêncio. O advogado contratado por Rui Pinto, Aníbal Pinto, ainda se encontrou com o representante da Doyen, mas nenhuma quantia chegou a ser trocada. O hacker garante que este contacto apenas teria como objectivo perceber quão valiosa seria a informação. A justiça portuguesa, porém, considera que estes contactos constituíram uma tentativa de extorsão, um dos 90 crimes pelos quais Rui Pinto responde agora em tribunal.
Malta Files
A par dos Luanda Leaks, Rui Pinto participou também nas fugas de informação que levaram à investigação que ficou conhecida como Malta Files, caso que revelou múltiplos episódios de evasão fiscal que aproveitavam o suave regime de impostos de Malta. Numa publicação feita no Twitter, Rui Pinto revelou que funcionou como denunciante nestas revelações, citando uma notícia do Expresso em que era feita a revelação de que a Autoridade Tributária desencadeou uma inspecção que permitiu ao Estado recuperar, em 2018, cerca de nove milhões de euros dos sócios portugueses da Deloitte.
Questionado pelo PÚBLICO sobre se era o denunciante responsável pela publicação dos ficheiros relativos a esta empresa, Rui Pinto, numa mensagem veiculada pelo seu advogado, Francisco Teixeira da Mota, sentia que não era seguro tecer afirmações, receando consequências negativas. “Prefiro não comentar casos concretos para evitar ser perseguido criminalmente pelas pessoas ou entidades afectadas, ou pelo Ministério Público. Portugal é, actualmente, um inferno para os denunciantes”, justificou.