Orçamento novo, problemas velhos
Mais dinheiro para a saúde é uma boa notícia, mas é também essencial que ele seja aplicado de forma mais sustentável. Esperamos que quem nos representa saiba fazer a diferença.
O Orçamento do Estado para 2020 anuncia uma maior aposta na saúde, atribuindo a este setor o que realmente se espera gastar. Este facto parece notável, visto que a redução da suborçamentação é algo que há muito tempo se reclama.
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O Orçamento do Estado para 2020 anuncia uma maior aposta na saúde, atribuindo a este setor o que realmente se espera gastar. Este facto parece notável, visto que a redução da suborçamentação é algo que há muito tempo se reclama.
Importa, no entanto, avaliar como vão ser utilizados esses recursos orçamentais. No que diz respeito à área da nutrição, a avaliação é globalmente negativa. O Ministério da Saúde insiste em erros antigos, menorizando a promoção da saúde e a prevenção da doença. Assim, caminhamos a passos largos para o aumento das doenças crónicas e contribuímos para a insustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O Orçamento prevê o aumento de 8400 profissionais de saúde, que serão essencialmente médicos e enfermeiros. Reconhecemos o quanto são necessários, contudo o próprio documento também reconhece a importância do “equilíbrio do mix da força de trabalho”. Mas não é isso que vemos.
Em 2019, o crescimento de profissionais de saúde face ao ano anterior ficou a dever-se essencialmente a estas duas classes. A contratação de outros profissionais foi modesta e, no caso dos nutricionistas, inexistente.
Como explicar este facto? Um país onde os hábitos alimentares inadequados são um dos principais determinantes da perda de anos de vida saudável e o excesso de peso um dos mais sérios problemas de Saúde Pública, não deveria afetar mais recursos a esta área?
O Ministério da Saúde parece concordar, anunciando um reforço dos cuidados de nutrição em cada Agrupamento de Centros de Saúde, com um investimento de 0,9 milhões de euros. É, no entanto, uma notícia falaciosa.
O próprio ministério desvenda que esta suposta “nova” verba será para o início de funções dos 40 nutricionistas selecionados ao abrigo do concurso iniciado em 2018. Leu bem, há dois anos. Sabemos, no entanto, que estando a decorrer o processo de entrevistas aos 988 candidatos admitidos, nem em 2020 este concurso ficará concluído.
O Ministério da Saúde está consciente disto, mas tem ignorado todas as propostas que a Ordem dos Nutricionistas tem feito para acelerar este processo.
Se o Governo quer mesmo reforçar o número de nutricionistas no SNS, como se impõe, então esta verba deverá ser canalizada para contratar efetivamente mais profissionais, que fazem falta nos centros de saúde e nos hospitais.
Como vemos, nos cuidados de saúde primários, o referido concurso de 2018 marca passo, desmotivando todos os envolvidos.
Já em relação aos cuidados hospitalares não há nem uma palavra, quando é imperioso iniciar a estratégia de combate à desnutrição hospitalar e dar cumprimento cabal ao despacho que pressupõe a implementação da identificação do risco nutricional nos hospitais do SNS. Será que o Ministério da Saúde não está interessado em cumprir as normas que estabelece?
O Orçamento define como uma das prioridades a aposta na motivação dos profissionais de saúde com o lançamento de concursos de promoção nas diferentes carreiras no SNS. Será que é desta que os nutricionistas, dispersos por diferentes carreiras, vão ser devidamente enquadrados? É uma questão de elementar justiça, que tarda em ser operacionalizada.
Finalmente, no domínio da Saúde Pública, prevê-se a continuação da implementação do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. Mas não há explicitamente nenhuma previsão orçamental para o efeito.
Este Programa tem tido um parco apoio e deveria ser legitimamente financiado com o valor arrecadado com a taxa sobre os produtos açucarados. Bem se justifica, como a literatura advoga, que a receita adicional obtida por esta taxa seja investida na promoção da alimentação saudável. Esperava-se que este exercício orçamental trouxesse esse ganho aos portugueses.
O Orçamento do Estado, aprovado na generalidade pela Assembleia da República, está agora em discussão na especialidade.
Pode e deve ser melhorado. Mais dinheiro para a saúde é uma boa notícia, mas é também essencial que ele seja aplicado de forma mais sustentável. Esperamos que quem nos representa saiba fazer a diferença.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico