Descobrindo a Roma de Bernini
Os leitores Isa e Paulo Silva partilham a sua experiência em busca das marcas de um dos mais consagrados escultores do barroco italiano.
A escolha dos destinos de viagem passa muitas vezes pelos livros que lemos, pela história que aprendemos e pelos artistas e obras que admiramos. Roma e Bernini juntam tudo isto numa única cidade.
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A escolha dos destinos de viagem passa muitas vezes pelos livros que lemos, pela história que aprendemos e pelos artistas e obras que admiramos. Roma e Bernini juntam tudo isto numa única cidade.
Gian Lorenzo Bernini inspirou-se no Renascimento para se tornar num dos mais consagrados e admirados escultores do barroco italiano. Nenhum outro artista deixou uma marca tão forte na cidade eterna. Caiu (e bem) nas graças do Papa Paulo V, e desta forma acabou por ficar ao serviço do Vaticano durante a sua carreira, facto que lhe valeu a oportunidade de espalhar o seu esplendor artístico por toda a capital italiana.
É precisamente no Vaticano que começamos a seguir os passos do grande mestre. Na grandiosa basílica de São Pedro, Bernini criou o magnífico baldaquino que solucionou tão harmoniosamente o preenchimento do vazio por baixo da cúpula de Michelangelo (artista de sua referência) a pedido do Papa Urbano VIII. Esta que é a sua primeira obra na basílica de São Pedro impressiona, quer pelo tamanho, quer pela beleza. Acima do túmulo de São Pedro, erguem-se, a 30 metros de altura e em bronze, quatro colunas torcidas que suportam o baldaquino. Diz-se que o bronze utilizado para a construção veio do Panteão e daí a famosa frase: “O que não fizeram os bárbaros, fizeram os Bernini…”.
Fora da basílica, mesmo à sua frente ergue-se outra belíssima obra do escultor, a colunata, uma longa “floresta” de 284 colunas que “abraça” a praça de São Pedro e que suportam uma grande estrutura ao estilo clássico com mais de cem estátuas de santos.
Com quatro filas de colunas, foi projectada de modo a que, vista a partir do centro da praça, pareça ter apenas uma única fila de colunas. Ao erguer a colunata, Bernini delineou também a Praça de São Pedro onde, no centro, colocou uma fonte.
Ali perto, na ponte de Sant’Angelo, logo em frente ao castelo com o mesmo nome, estão catorze estátuas de anjos que representam a Paixão de Cristo, encomenda do papa Clemente IX em 1669. Posteriormente, os originais de alguns destes anjos foram levados para a igreja de Sant’Andrea della Fratte (em Roma) tendo ficado cópias na ponte, como é o caso do anjo da coroa de espinhos.
Continuando pelo centro de Roma, a pouco mais de 700 metros de distância, chegamos à esplendorosa Piazza Navona, símbolo da Roma barroca, onde está a monumental Fontana dei Quattro Fiumi. Esculpida entre 1648 e 1651 e encomendada pelo papa Inocêncio X, a fonte representa quatro grandes rios de quatro continentes, personificados em monstruosas figuras imaginárias: o Nilo em África, o Ganges na Ásia, o rio da Prata na América, e o Danúbio na Europa. Apesar do tamanho, Bernini consegue harmoniosamente fundir o conjunto sólido e pesado do mármore com a leveza das águas que caem da fonte. No cimo da fonte colocou o obelisco egípcio Agonal.
Nem a Fonte do Mouro, de Giacomo della Porta, escapou ao aperfeiçoamento de Bernini. No extremo sul da mesma praça está a fontana que, décadas depois da sua criação, sofreu uma alteração: Bernini acrescentou no seu centro o mouro, inspirado em Neptuno, o deus do mar e das águas.
Muito perto dali, mesmo ao lado do majestoso Panteão, na Piazza della Minerva, encontramos uma escultura de um elefante bebé que suporta um obelisco egípcio. Esta obra, embora esculpida por Ercole Ferrata, foi projectada habilmente pelo criativo Bernini. A representação do elefante não foi uma escolha do acaso. É um antigo símbolo da inteligência e piedade, e nesta obra representa a personificação das virtudes com que os cristãos podem alcançar a verdadeira sabedoria.
A norte da cidade, na Galleria Borghese, está uma das mais belas esculturas do artista. Do mito greco-romano nasceu o Rapto de Proserpina. A escultura em mármore representa Proserpina a empurrar a cabeça de Plutão, enquanto este lhe aperta o corpo para a tentar imobilizar. Os pormenores e detalhes são notáveis. Os dedos vincados na pele de Proserpina confundem-nos, não parece uma escultura, parece real. Nesta galeria está também a escultura de Apolo e Dafne que mostra tão bem a transformação de Dafne de humana para árvore.
Caminhando a sul, na Piazza Barberini vislumbramos a Fontana del Tritone (Fonte do Tritão), onde está representado o mítico deus Tritão, um dos filhos de Neptuno, ajoelhado, suspenso por quatro golfinhos, enquanto bebe água que jorra de um búzio.
Mandada erguer pelo papa Urbano VIII mesmo em frente ao palácio da sua família, o palácio Barberini, onde Bernini cria uma magnífica escadaria que dá acesso ao andar nobre, a mesma função de outra escadaria criada pelo seu rival, Borromini, como que numa disputa de talento.
É na igreja de Santa Maria della Vittoria que está uma das esculturas que melhor mostra a eloquência do artista: a escultura do êxtase de Santa Teresa. Santa Teresa, então freira Teresa D’Avila, teve a visão de um anjo que lhe crava uma seta de ouro no coração, simbolizando este gesto o amor e devoção que Santa Teresa tinha por Deus. Bernini consegue expressar esse amor na escultura num cataclismo misto de dor e prazer com drama, emoção e movimento.
Na Basílica de Santa Maria Maior, ou Santa Maria del Popolo, uma das quatro basílicas papais, está uma escadaria especial, projectada e construída por Bernini quando tinha apenas 23 anos. É tecnicamente perfeita. O centro da escadaria não tem eixo onde os degraus se possam apoiar. Para compensar o peso dos degraus e de quem os utiliza, Bernini aplicou duas técnicas: encastrou os degraus nas paredes do edifício e inclinou-os de forma quase imperceptível para a frente, fazendo com que o peso do corpo humano fique na ponta do degrau e não no meio. É essa técnica que torna esta criação tão especial, um artista tão jovem consegue projectar uma obra com pormenores tão peculiares e perfeitos.
É simbolicamente nesta basílica que terminamos a nossa visita a Roma e às obras de Bernini. Foi numa das ruas laterais desta igreja que viveu Bernini com o seu pai e simultaneamente seu mestre, o escultor Pietro Bernini, e é neste templo que jaz o seu corpo.
Isa Silva e Paulo Silva
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