O que falta saber sobre o Montijo
No Montijo, é crucial saber se o Estado vai fazer um negócio justo com a ANA ou se, como aconteceu no momento da privatização, vai descurar o seu papel de defensor do interesse público.
Fala-se da construção de um aeroporto complementar de Lisboa na Base Aérea do Montijo e surgem em catadupa dúvidas sobre o ruído, certezas sobre a poluição, ameaças à avifauna, constrangimentos nos acessos ou perigos associados às alterações climáticas. Todas estas questões são cruciais e devem estar na primeira linha do debate sobre uma obra que há muito sabíamos ser irreversível. Mas está na hora de discutir também uma outra questão que tem aparecido de forma discreta no rol dos problemas associados ao Montijo: o papel que a multinacional francesa Vinci, que controla a ANA, vai assumir na construção e gestão da infra-estrutura. Ou, por outras palavras, saber se o Estado vai fazer com a empresa um negócio aceitável ou se, como aconteceu no momento da privatização da ANA, vai descurar o seu papel de defensor do interesse público.
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Fala-se da construção de um aeroporto complementar de Lisboa na Base Aérea do Montijo e surgem em catadupa dúvidas sobre o ruído, certezas sobre a poluição, ameaças à avifauna, constrangimentos nos acessos ou perigos associados às alterações climáticas. Todas estas questões são cruciais e devem estar na primeira linha do debate sobre uma obra que há muito sabíamos ser irreversível. Mas está na hora de discutir também uma outra questão que tem aparecido de forma discreta no rol dos problemas associados ao Montijo: o papel que a multinacional francesa Vinci, que controla a ANA, vai assumir na construção e gestão da infra-estrutura. Ou, por outras palavras, saber se o Estado vai fazer com a empresa um negócio aceitável ou se, como aconteceu no momento da privatização da ANA, vai descurar o seu papel de defensor do interesse público.
O passado não é, a este propósito, tranquilizador. A Vinci fez seguramente um dos melhores negócios de sempre em Portugal. Em cinco anos pagar praticamente um quarto dos três mil milhões de euros que investiu na privatização da ANA. No Expresso de sábado, o ministro Pedro Nuno Santos dizia que a sua venda foi “danosa para o interesse público” e “um péssimo negócio para o Estado”, até porque a ANA, em boa parte à custa do monopólio na gestão de todos os aeroportos nacionais, tratou de aumentar as taxas que cobra até “realizar em receitas mais de mil milhões de euros do que esperava inicialmente”. A entrega do Montijo à ANA faz-se neste contexto e recomenda que se acompanhe e se reflicta sobre o negócio que o Estado está a preparar.
Se em 2012 se podia dizer que o Estado estava desesperado por receitas e havia uma enorme incerteza sobre o futuro do país (e da própria zona euro), desta vez há todas as condições para uma negociação justa. E uma negociação assim só se faz com transparência e escrutínio. Ainda há tempo, mas é crucial que, para lá de sabermos que as taxas a praticar no Montijo vão ficar 15% a 20% abaixo das do Aeroporto Humberto Delgado, sejam tornadas claras as projecções de crescimento de tráfego e seja estimado quanto vai a ANA poder ganhar com a gestão do novo aeroporto. Porque se é legítimo que o seu investimento seja compensado, a repetição de um negócio como o de 2012 servirá apenas para acentuar essa ideia tão contemporânea de que, em Portugal, num negócio entre privados e o Estado, o Estado é sempre o elo mais fraco.