A conferência sobre o futuro da Europa: em prol da democracia representativa!
É preciso religar os circuitos de decisão aos cidadãos, mas em caso algum deve ser posta em perigo a democracia representativa. Ela é a garantia da nossa liberdade.
1. Na passada quarta-feira, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que estabelece a respectiva posição a propósito da conferência sobre o Futuro da Europa. A finalidade da conferência é propiciar um grande debate sobre os assuntos europeus que envolva os cidadãos em todos os cantos da União, que dinamize a discussão na sociedade civil e na academia, que promova a criação de uma verdadeira opinião pública europeia, de uma esfera pública europeia. A ideia da conferência está em linha com iniciativas já prosseguidas pela Comissão e pelo PE e também por Estados-membros, cujos exemplos principais são as citizens’ assemblies irlandesas (no contexto dos recentes referendos sobre o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo) e os grandes debates do Presidente Macron (propiciados pela crise dos “coletes amarelos”). A aspiração de um forte envolvimento dos cidadãos e dos corpos da sociedade civil está em sintonia com o “ar do tempo” e procura dar resposta ao clamor de um afastamento e alheamento dos cidadãos relativamente à vida política e, em particular, à “Europa”. Vai ao encontro dos apelos à democracia participativa e ao movimento, hoje muito em voga, do reforço da democracia deliberativa. De algum modo, pretende ainda ser uma vacina contra a avalanche populista e a sua perigosa luta pela “democracia directa”. Em suma, visa aproximar os cidadãos das instâncias de decisão política e promover a comunicação entre essas instâncias e o eleitorado.
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1. Na passada quarta-feira, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que estabelece a respectiva posição a propósito da conferência sobre o Futuro da Europa. A finalidade da conferência é propiciar um grande debate sobre os assuntos europeus que envolva os cidadãos em todos os cantos da União, que dinamize a discussão na sociedade civil e na academia, que promova a criação de uma verdadeira opinião pública europeia, de uma esfera pública europeia. A ideia da conferência está em linha com iniciativas já prosseguidas pela Comissão e pelo PE e também por Estados-membros, cujos exemplos principais são as citizens’ assemblies irlandesas (no contexto dos recentes referendos sobre o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo) e os grandes debates do Presidente Macron (propiciados pela crise dos “coletes amarelos”). A aspiração de um forte envolvimento dos cidadãos e dos corpos da sociedade civil está em sintonia com o “ar do tempo” e procura dar resposta ao clamor de um afastamento e alheamento dos cidadãos relativamente à vida política e, em particular, à “Europa”. Vai ao encontro dos apelos à democracia participativa e ao movimento, hoje muito em voga, do reforço da democracia deliberativa. De algum modo, pretende ainda ser uma vacina contra a avalanche populista e a sua perigosa luta pela “democracia directa”. Em suma, visa aproximar os cidadãos das instâncias de decisão política e promover a comunicação entre essas instâncias e o eleitorado.
2. Em termos práticos, a conferência – que tem como nota distintiva o envolvimento efectivo dos cidadãos – terá de ser organizada pelas três instituições “representativas” dos cidadãos europeus, a saber o PE, a Comissão e o Conselho. A posição que foi aprovada na semana passada é ainda e só a posição do PE e, portanto, reflecte tão-somente a sua visão. Falta conhecer a proposta da Comissão, que deverá ser divulgada já amanhã, e a proposta do Conselho Europeu, que deverá aparecer a 28 de Janeiro. Enquanto a Comissão se deve voltar mais para as dinâmicas da sociedade civil e para pôr em rede muitos dos instrumentos existentes, o Conselho mostra-se claramente mais relutante. Só depois de conhecidas as três posições, se iniciará a negociação para chegar a uma posição comum, que será vertida numa “declaração conjunta”. Para já, só podemos então ter em conta a proposta aprovada pelo PE, na qual tenho vindo a trabalhar intensamente nos últimos quatro meses em nome do grupo parlamentar do PPE.
3. A proposta do PE divide o processo da conferência em dois pilares fundamentais, um de natureza cidadã e outro de natureza institucional, estabelecendo estreitos canais de comunicação entre eles. Assim, no braço institucional, haverá um plenário da conferência constituído unicamente por membros das instituições da UE e dos parlamentos e governos nacionais. Será esta a instância deliberativa, que reunirá uma vez por trimestre, ao longo de dois anos. Por outro lado, no braço cidadão, está prevista a organização de oito convenções de cidadãos, duas das quais exclusivamente para jovens entre os 16 e os 25 anos, a que foi dado o nome clássico de “ágoras”. Cada ágora será composta por um número mínimo de 200 e máximo de 300 cidadãos, provenientes dos 27 Estados-membros, segundo um critério de proporcionalidade degressiva. Deve estar garantida uma rigorosa igualdade de género e uma representação tendencial do espectro sócio-cultural de cada Estado-membro. O modo como devem ser seleccionados os cidadãos que participarão em cada ágora e como podem preencher aqueles apertados critérios não está concretizado (alguns defendem a selecção por sorteio). O critério de representação de estratos sócio-culturais afigura-se problemático não apenas por dificuldades práticas, mas também porque remete para uma visão “corporativa”, “classista” ou “estamental” da representação. Cada uma das ágoras terá, por conseguinte, a sua própria composição e a sua própria sede numa diferente cidade europeia, devendo reunir pelo menos duas vezes.
4. Cada uma das ágoras tratará de um ou dois temas da agenda que for definida para a Conferência, sendo que esses temas serão fixados pelo pilar institucional (o dito plenário), mas podem ser modificados por cada uma das ágoras. Do debate que as convenções de cidadãos fizerem hão-de resultar conclusões, com propostas e sugestões, que serão depois levadas a uma das reuniões trimestrais do Plenário e que aí darão origem a novo debate e à adopção de conclusões “vinculativas”. Das deliberações do Plenário, haverá depois mecanismos de reporte e feedback à respectiva ágora. Neste processo de vaivém, está absolutamente garantido que a consulta e a participação dos cidadãos será mesmo isso e só isso: auscultação e prestação de contas. Na verdade, um dos debates fracturantes na definição da posição do PE foi exactamente o de saber se se deveria atribuir (ou não) poder deliberativo às ágoras, às convenções de cidadãos. É evidente que não! Numa democracia que se queira representativa o envolvimento e participação dos cidadãos, por mais estimulado e estimulante que seja, não pode substituir os mecanismos de representação política, criando legitimidades paralelas e alternativas. Uma coisa é aumentar significativamente o grau de intervenção política dos cidadãos, da sociedade civil e dos corpos intermédios, outra coisa é a atribuição do poder de deliberação a essas entidades. A vertigem da democracia directa – que desagua sempre naquilo a que Montesquieu chamava a “tirania de todos” – é o maior risco constitucional do nosso tempo.
5. Mesmo, tendo apenas diante dos olhos a posição do PE, muito mais haveria e há a dizer sobre a Conferência. Mas para já, e para início de conversa, que fique inequivocamente registado: é preciso religar os circuitos de decisão aos cidadãos, mas em caso algum deve ser posta em perigo a democracia representativa. Ela é a garantia da nossa liberdade.
SIM. Rui Rio. Acaba de ser reeleito presidente do PSD, a despeito dos prognósticos oficiosos. Segue-se o desafio autárquico, presidencial e de construção da alternativa forte e credível ao PS e à “geringonça”.
NÃO. Escândalo Luanda Leaks. É impressionante como em Portugal continua a haver uma tão grande tolerância para com os sinais e os fumos de corrupção. Às vezes, nem com provas se vai lá.