Perguntas e Respostas sobre o julgamento do Presidente Trump
Porque é que o Presidente dos Estados Unidos é julgado no Senado e não nos tribunais?
Porque é que o Presidente dos Estados Unidos é julgado no Senado e não nos tribunais?
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Porque é que o Presidente dos Estados Unidos é julgado no Senado e não nos tribunais?
A Constituição norte-americana dá ao Congresso (o poder legislativo), e não aos tribunais comuns, o poder e a responsabilidade de escrutinar a forma como os altos responsáveis civis do poder executivo e do poder judicial usam a sua autoridade e se comportam no exercício do cargo.
Sempre que um responsável é suspeito de “traição, suborno, ou outros altos crimes e delitos comuns”, a sua continuidade no cargo é posta em causa com a abertura de um processo que começa na Câmara dos Representantes.
Esse primeiro passo – conhecido como impeachment, no original em inglês – é o equivalente, nos tribunais comuns, a uma acusação.
Depois disso, cabe ao Senado fazer um julgamento e decidir se o responsável em causa é, ou não, culpado da acusação feita e aprovada na Câmara dos Representantes.
Se é um julgamento fora dos tribunais, quem é o juiz?
O responsável pelas sessões dos julgamentos no Senado é o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, neste caso o juiz John G. Roberts.
Roberts prestou juramento na semana passada como presidente interino do Senado, até ao final do julgamento. Já nesse novo papel, o juiz confirmou o juramento dos 100 senadores como jurados – que, segundo a Constituição, e apesar das suas filiações partidárias, têm o dever de serem imparciais.
Quantos votos são necessários para uma acusação na Câmara dos Representantes e para uma condenação no Senado?
Basta uma maioria simples na Câmara dos Representantes para que uma acusação seja aprovada e tenha de ser julgada no Senado. Como actualmente a câmara baixa do Congresso tem 435 membros eleitos, são necessários 218 votos.
Mas para que um acusado seja condenado no Senado, e afastado do cargo, é preciso que dois terços dos senadores (67 em 100) votem a favor da condenação em pelo menos um dos artigos de impeachment.
O que são “artigos de impeachment”?
Cada acusação que for aprovada na Câmara dos Representantes dá origem a um artigo de impeachment, que é depois enviado para o Senado.
No caso do Presidente Trump, a Câmara dos Representantes aprovou duas acusações (abuso de poder e obstrução do Congresso), e é por isso que o Senado vai agora julgar dois artigos de impeachment.
Quais são as acusações contra o Presidente Trump?
Abuso de poder e obstrução do Congresso.
No primeiro caso, Trump é acusado de tentar subverter o resultado das próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos em seu favor.
Segundo a acusação, o Presidente norte-americano congelou o envio de 391 milhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia (um pacote que já tinha sido aprovado pelas duas câmaras do Congresso), como forma de pressão para que o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, anunciasse a abertura de investigações criminais que prejudicariam o Partido Democrata – em particular Joe Biden, um dos favoritos a enfrentar Trump nas eleições.
A acusação de obstrução do Congresso diz respeito à recusa do Presidente Trump em colaborar com a Câmara dos Representantes nas investigações do processo de impeachment.
O que são “altos crimes e delitos comuns”?
Ao acrescentarem “altos crimes e delitos comuns” às acusações específicas de “traição e suborno”, os autores da Constituição quiseram deixar claro que os responsáveis em causa têm uma posição de autoridade única em relação aos restantes cidadãos e que, por isso, devem exercer os seus cargos com uma exigência superior ao normal.
Ou seja, ao contrário do que acontece nos tribunais comuns, um Presidente norte-americano não tem de cometer crimes previstos no Código Penal (homicídio, violação, etc.) para ser alvo de um processo de impeachment.
Explica a Harvard Law Review: “A opinião consensual é a de que um Presidente pode ser legalmente acusado de ‘más acções intencionais’ que ‘subvertam de forma drástica a Constituição e que envolvam um abuso imperdoável da Presidência’ – mesmo que essas acções não tenham violado as leis criminais.”
Quantos julgamentos de altos responsáveis houve no Senado até hoje?
Em toda a história dos Estados Unidos houve 19 julgamentos no Senado (15 juízes federais, dois Presidentes, um senador e secretário da Guerra na Administração de Ulysses S. Grant, no século XIX).
Apenas oito dos 19 foram condenados e afastados dos cargos, todos eles juízes federais.
A acusação contra o senador William Blount, em 1797, foi a primeira e única de um congressista num processo de impeachment. Desde então, o Congresso decidiu que os membros eleitos para a Câmara dos Representantes e para o Senado não podem ser alvos de impeachment – vários foram expulsos, mas cada câmara é responsável pela acusação e condenação dos respectivos membros eleitos.
Que Presidentes foram alvos de impeachment?
Quatro Presidentes norte-americanos viram a Câmara dos Representantes abrir processos de impeachment contra eles, e desses, três foram efectivamente acusados e tiveram de enfrentar um julgamento no Senado.
O primeiro foi Andrew Johnson, em 1868, alvo de 11 acusações na Câmara dos Representantes. O Senado decidiu votar sobre apenas três dessas acusações, e em todos os casos o resultado foi 35-19 contra a condenação.
Johnson manteve-se no cargo por apenas um voto (nessa altura, a maioria de dois terços no Senado era alcançada com 36 votos).
Foi preciso esperar 130 anos para se testemunhar um novo impeachment de um Presidente norte-americano – o de Bill Clinton, em 1998.
Clinton foi acusado de perjúrio e de obstrução da Justiça, por ter mentido, perante um grande júri, sobre as suas relações sexuais com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky, e por manipular testemunhos prejudiciais.
Apesar da maioria do Partido Republicano no Senado, nenhuma das acusações teve sequer uma maioria simples: 45-55 com dez votos contra do Partido Republicano na acusação de perjúrio; 50-50 com cinco votos contra do Partido Republicano na acusação de obstrução da Justiça.
O terceiro é o Presidente Trump, acusado de abuso de poder e obstrução do Congresso. Vai enfrentar um julgamento em que 53 jurados são do Partido Republicano, 45 são do Partido Democrata e dois foram eleitos como independentes (mas estão alinhados com os democratas).
Em 1974, o Presidente Richard Nixon esteve também à beira de ser acusado na Câmara dos Representantes, por obstrução da Justiça, abuso de poder e desrespeito pelo Congresso no âmbito do escândalo de Watergate.
O processo foi interrompido quando já era certo que as acusações iam chegar ao Senado. Nixon demitiu-se entre a aprovação das acusações pela Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes, e antes da votação final por todos os congressistas.