“Já se disse tudo sobre o arquivo. Falta fazer”

Quem esperava um anúncio sobre o novo edifício para o Arquivo Municipal de Lisboa saiu desiludido da assembleia municipal. Câmara mantém intenção de mudar parte do acervo para o Alto da Eira, trabalhadores discordam

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aab antonio borges

Os problemas têm barbas, as queixas ouvem-se há anos e as promessas sucedem-se, mas continua sem se conhecer uma solução para o Arquivo Municipal de Lisboa. A vereadora da Cultura diz que está para “breve”, o vice-presidente afirma que será “nos próximos meses”, os trabalhadores do arquivo acusam a câmara de “autismo”.

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Os problemas têm barbas, as queixas ouvem-se há anos e as promessas sucedem-se, mas continua sem se conhecer uma solução para o Arquivo Municipal de Lisboa. A vereadora da Cultura diz que está para “breve”, o vice-presidente afirma que será “nos próximos meses”, os trabalhadores do arquivo acusam a câmara de “autismo”.

Discutiu-se esta terça-feira na assembleia municipal a petição “Por um edifício digno para o Arquivo Municipal de Lisboa”, lançada pelos funcionários que lá trabalham e assinada por mais de mil pessoas. Todos os partidos, e mesmo a autarquia, foram unânimes em reconhecer a urgência de tirar os arquivos dos prédios de habitação que actualmente ocupam e concentrá-los num só local.

Mas a intenção da câmara de deslocar provisoriamente o arquivo do Bairro da Liberdade, em Campolide, para as torres do Alto da Eira, junto à Av. General Roçadas, deixa os trabalhadores inquietos. Dizem que o sítio “não é adequado”, que a transferência contraria “todas as normas nacionais e internacionais” sobre arquivística e temem que o provisório se torne definitivo. “É um autismo completo”, criticou Vitória Pinheiro, uma das peticionárias, ao PÚBLICO.

O arquivo municipal já chegou a estar no Alto da Eira, mas saiu de lá em 2004 por falta de salubridade. A câmara fez obras entretanto e garante que o espaço tem condições. “Foi reabilitado para cumprir as regras necessárias para receber espólios arquivísticos”, afirmou Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura. “Embora tenha sido recentemente reabilitado, apresenta já infiltrações”, disse, por seu turno, Helena Nunes, uma das peticionárias.

Existem quatro núcleos do arquivo lisboeta: o histórico está no Bairro da Liberdade, o intermédio está no Arco do Cego, o fotográfico está na Rua da Palma e a videoteca está no Calvário. Em todos, mas sobretudo no Bairro da Liberdade, os trabalhadores denunciam infiltrações, degradação de documentos, problemas de segurança. Daí o seu pedido para que a câmara decida o quanto antes o futuro a dar ao arquivo.

“Passará provavelmente por um edifício que não pertence à câmara”, disse Vaz Pinto, confirmando que decorrem negociações com o Governo para a cedência de um imóvel estatal e afastando a hipótese de uma construção nova, como já chegou a estar previsto. “São tempos que nós não controlamos”, desculpou-se. “Em breve será apresentada a solução.”

“O arquivo tem de estar num local central, acessível. Se não tiver boas acessibilidades, uma boa rede de transportes, não serve”, comentou Vitória Pinheiro. “Não foi por acaso que a Torre do Tombo foi para onde foi. Estas decisões são as que precisam de ser tomadas.”

Durante a discussão, os deputados de todas as bancadas sublinharam que este debate já se arrasta há demasiado tempo. “Não há direito que a situação se mantenha neste estado de coisas”, insurgiu-se Simonetta Luz Afonso, do PS. “Já se disse tudo sobre o arquivo. O que falta fazer? Fazer. O que falta é que os senhores decidam”, afirmou, dirigindo-se à autarquia. “A câmara não tem falta de dinheiro. Temos de ter um arquivo digno de uma grande capital de um país europeu com uma grande História.”

“Como é possível os funcionários terem de recorrer à condição de peticionários para chamar a atenção do executivo?”, questionou Luís Newton, do PSD. “É realmente inacreditável, despois de tudo o que já vimos, continuarmos a ter de discutir esta matéria”, disse Miguel Santos, do PAN.

Diogo Moura, do CDS, acusou a câmara de “insistir numa solução que é um erro” ao optar pelo Alto da Eira, enquanto Natacha Amaro, do PCP, instou a autarquia a apresentar “o quanto antes a solução definitiva”. Já Aline de Beuvink, do PPM, acusou o PS de ter “dois pesos e duas medidas” porque, em Junho do ano passado, “os senhores deputados do PS votaram contra” uma recomendação que propunha um edifício único para o arquivo.

“Todos os que falaram também tiveram responsabilidades no município”, respondeu Manuel Lage, do PS, acusando os restantes partidos de nada terem feito para resolver o problema. “O tempo corre contra nós e contra a preservação da memória histórica da cidade”, lembrou o independente Rodrigo Mello Gonçalves.