É a amostra PISA que está errada ou a realidade que se alterou?
Vamo-nos habituar a ouvir sem surpresa que os desempenhos entre público e privado são similares, se educação privada significa cada vez menos ser escola para rico.
Entre 2015 e 2018, os resultados das escolas privadas no PISA baixaram muitíssimo, uma queda que a todos intrigou dado que os colégios privados, aqueles onde estão os meninos das famílias endinheiradas, continuam no top 10 do ranking de exames nacionais e não haveria nenhuma razão para baixarem os seus desempenhos, que tipicamente estavam bem acima da média nacional e que em 2018 deram em alinhar com as escolas públicas.
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Entre 2015 e 2018, os resultados das escolas privadas no PISA baixaram muitíssimo, uma queda que a todos intrigou dado que os colégios privados, aqueles onde estão os meninos das famílias endinheiradas, continuam no top 10 do ranking de exames nacionais e não haveria nenhuma razão para baixarem os seus desempenhos, que tipicamente estavam bem acima da média nacional e que em 2018 deram em alinhar com as escolas públicas.
Para encontrar uma resposta fez-se uma análise a partir dos dados PISA originais por forma a poder dissecá-los nas suas componentes e encontrar o que escondem os números de modo agregado.
O PISA classifica as escolas em Públicas e Privadas de acordo com a propriedade, esta primeira divisão faz com que nas escolas privadas estejam incluídas:
(1) As escolas de propriedade privada financiadas pelo Estado ou outros (Fundo Social Europeu, associações de empresários, sindicatos):
- Contratos de Associação – currículo geral administrado por uma escola privada em substituição do Estado, tipicamente localizadas onde a oferta pública é insuficiente para a procura;
- Escolas Profissionais – vertente profissional com equivalência ao secundário onde a vertente prática é mais acentuada e os currículos teóricos diferentes do ensino secundário geral;
- Escolas de Cursos de Especialização e Formação (CEF), que foram criadas para ajudar a integrar no meio profissional os alunos que iriam abandonar o sistema, invariavelmente marcados por percursos de insucesso.
(2) As escolas estritamente privadas onde os pais pagam uma mensalidade para garantir o funcionamento da instituição e que seguem o currículo do ensino geral.
Desta forma, torna-se muito claro que temos uma grande diversidade de populações a frequentar o ensino cuja propriedade da escola é privada. No entanto, a intriga não se desvanece, pois esta divisão já existia nas amostras anteriores.
Quando se decompôs as escolas por tipologias de financiamento e ensino tornou-se claro que a composição das escolas privadas se alterou bastante na amostra de 2018.
A percentagem de escolas estritamente privadas diminui mais de 30 pontos percentuais. As escolas onde se oferecem cursos CEF, que eram anteriormente inexistentes no privado, representam agora 11% e o peso do ensino profissional com equivalência ao secundário duplicou. Curiosamente, os contratos de associação mantiveram-se estáveis, e seria expectável que tivessem diminuído (Figura 1), pois o anterior governo terminou com grande parte destes acordos. Por outro lado, a estrutura das escolas públicas manteve-se muito similar entre 2015 e 2018 (Figura 2).
A grande questão que se coloca é compreender se esta alteração resulta de um “azar” ligado à aleatoriedade, ou seja, nesta edição foram sorteadas escolas com características distintas, ou se espelha uma nova realidade em Portugal. Eu suspeito que a segunda hipótese possa ser a verdadeira por dois motivos:
- (Re)surgimento dos cursos CEF com apoio dos Fundos Sociais Europeus e apoios governamentais, o que pode ter constituído um incentivo para que mais escolas privadas tenham surgido nesta tipologia, porventura através da mudança de estatuto de Contrato de Associação para escola CEF e Profissional.
- Mais alunos a optar por cursos profissionais sem ser por motivos de insucesso no Ensino Básico, estando, por tal, um maior número a frequentar esta via aos 15 anos.
Fica por explicar por que motivo os Contratos de Associação não diminuíram, dado que sabemos que este tipo de acordo está em processo de redução para mínimos históricos.
Como consequência da alteração de estrutura, o ensino privado em Portugal passou a servir populações provenientes de estatutos socioeconómicos muito baixos e alunos com percursos de insucesso ou perfis menos académicos, com desempenhos muito inferiores no PISA.
Ao verificar a evolução dos resultados por tipologia de escola (Figura 3), o que se verifica é a ausência de oscilações. De notar que os alunos que frequentam os CEF (1,2,3) estão muito atrasados no seu percurso escolar e que os alunos dos profissionais, apesar de se situarem no ano equivalente ao 10.º, estão pior preparados para resolver os problemas da vida adulta. De notar que a nível dos cursos profissionais e CEF não existem diferenças entre público e privado, com os alunos a atingirem níveis de competência muito similares.
Os alunos que frequentam as escolas estritamente privadas são os que apresentam desempenho médio mais elevado, à semelhança do que vinha acontecendo em anos anteriores, sem esquecermos que são uma pequena parte da população e que se trata da franja dos privilegiados.
O ensino geral da escola pública tem uma média inferior à dos privados, o que se justifica por ter uma base de alunos muito maior e de grande diversidade socioeconómica e cultural, mas fica equiparado aos Contratos de Associação que servem o mesmo tipo de população, pois estão impedidos de selecionar e a sua frequência é gratuita para as famílias.
O PISA 2018 não trouxe nada de novo a nível dos desempenhos, mas revelou que se pode estar a configurar uma nova tipologia do investimento privado em educação que surge para beneficiar dos apoios europeus e governamentais e ocupar um espaço na formação de alunos com percursos alternativos. Assim sendo, vamo-nos habituar a ouvir sem surpresa que os desempenhos entre público e privado são similares, se educação privada significa cada vez menos ser escola para rico.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico