Comunidade em vias de extinção

Praticamos boas acções com o simples objectivo de arrecadarmos o maior número de likes, visualizações ou “amigos” virtuais que nos fazem esquecer os amigos de verdade.

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Helena Lopes

Centrados no nosso umbigo, imbuídos do espírito individualista com que as últimas décadas nos prendaram, esquecemos o “outro”. Preocupados apenas com o nosso quintal, olhamos de relance para o terreno que arde ao nosso lado, para o vizinho que morre à fome em segredo ou para os sonhos despedaçados do amigo que entra em depressão. O maior cancro da sociedade reside nessa solidão inabalável que nos torna egoístas por natureza e solidários por excepção.

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Centrados no nosso umbigo, imbuídos do espírito individualista com que as últimas décadas nos prendaram, esquecemos o “outro”. Preocupados apenas com o nosso quintal, olhamos de relance para o terreno que arde ao nosso lado, para o vizinho que morre à fome em segredo ou para os sonhos despedaçados do amigo que entra em depressão. O maior cancro da sociedade reside nessa solidão inabalável que nos torna egoístas por natureza e solidários por excepção.

Partilhamos vídeos que transmitem a pouca humanidade que nos resta, para podermos aliviar o sentimento de mea culpa que nos persegue. Apregoamos aos peixes a esmola que damos ao domingo, para parecermos bondosos aos olhos dos outros. Praticamos boas acções com o simples objectivo de arrecadarmos o maior número de likes, visualizações ou “amigos” virtuais que nos fazem esquecer os amigos de verdade.

Preocupamo-nos efemeramente com os problemas mundiais com que nos bombardeiam os telejornais para, logo de seguida, retornarmos ao feed do Instagram para invejar o último modelito da influencer do momento.

Tornámo-nos espectadores de um mundo que não controlamos e que já nem acreditamos ser real. Baseamo-nos em notícias que imediatamente descobrimos serem falsas. Amamos hoje, para odiarmos amanhã. Agarramo-nos aos bens materiais para tapar o vazio que a morte dos nossos sonhos deixou. Esquecemo-nos do bom que é lutar por causas comuns, de viver em família e em sociedade, para condenarmos ao esquecimento os “velhos” que apelidamos (sem excepção) serem do Restelo e pouco “instagramáveis”.

Para completar a equação da nossa morte enquanto comunidade, somos “comandados” por políticos e partidos que vivem nos quadros mentais do passado. Agarram-se a problemas do antigamente, que não interessam aos mais jovens e os afastam da política. O que interessa ao futuro no presente são os problemas ambientais, o hiato cada vez maior entre ricos e pobres, a influência das novas tecnologias no direito fundamental à privacidade, a sustentabilidade das espécies (e de nós próprios), a habitação condigna e as doenças mentais (cada vez mais crescentes).

O acto de ver o noticiário tornou-se aborrecido e inútil para o cidadão comum. Os assuntos técnicos ligados ao enorme aparelho estatal, as quezílias partidárias bacocas e a mentira crónica sobre as mais diversas temáticas já só merecem um encolher de ombros generalizado. Valem-nos os escândalos principescos que também deixam a nu os sentimentos, pensamentos ou comportamentos contraditórios das pessoas do passado e do presente.

A impossibilidade de compreendermos os problemas actuais com que as gerações futuras se deparam no presente provoca o inevitável afastamento daquelas dos assuntos que importam discutir nos meios governativos. Os poucos jovens que se juntam aos poderes decisórios fazem-no por falta de alternativa ou por claro aproveitamento das estruturas partidárias que integram desde tenra idade. O que resta aos milhares de jovens que se sentem espectadores da sua própria vida? Movimentos sociais, extra partidários, defensores de nacionalismos e extremismos que corajosamente foram socialmente combatidos no século passado.

A dificuldade de contornar os extremos vai levar-nos à extinção do princípio mais elementar da vida em sociedade: o ser humano foi feito para viver em comunidade. O que nos resta quando o conceito de comunidade se extinguir? Não sei — mas gostava de saber.