José Manuel In-Uba: o médico que assegura a educação de 700 crianças na Guiné-Bissau
Com parte dos honorários que recebe nos hospitais de Aveiro, Feira e São João da Madeira, José Manuel In-Uba paga o salário de dez professores, em Bindoro, a sua aldeia natal.
Já leva quase 30 anos de exercício de medicina em Portugal e não se recorda de alguma vez ter faltado ao trabalho. Por norma, até chega ao serviço 30 minutos antes da hora, em respeito pelo outro, o colega que está a concluir o turno. Um pequeno gesto numa vida que tem vindo a ser pautada pelo altruísmo. Há mais de 20 anos que José Manuel In-Uba assegura a educação de centenas de crianças da Guiné-Bissau, o seu país natal.
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Já leva quase 30 anos de exercício de medicina em Portugal e não se recorda de alguma vez ter faltado ao trabalho. Por norma, até chega ao serviço 30 minutos antes da hora, em respeito pelo outro, o colega que está a concluir o turno. Um pequeno gesto numa vida que tem vindo a ser pautada pelo altruísmo. Há mais de 20 anos que José Manuel In-Uba assegura a educação de centenas de crianças da Guiné-Bissau, o seu país natal.
São seis escolas, cerca de 700 crianças e um total de dez professores, aos quais o médico vai pagando o salário do seu próprio bolso, com parte dos rendimentos que aufere como médico tarefeiro nos hospitais de Aveiro, Feira e São João da Madeira. Uma grande responsabilidade à qual o doutor In-Uba prefere chamar “satisfação”, ainda que reconheça que este compromisso o obriga a ter as prioridades bem definidas. Exemplos? As férias nunca podem ser muito longas. E são quase sempre passadas na Guiné.
“Vou lá umas cinco vezes por ano”, refere o médico nascido na aldeia de Bindoro, em Mansoa, e que veio parar a Portugal assim que terminou o curso na antiga União Soviética. “Como havia a cooperação entre o meu país e a Rússia, consegui obter uma bolsa de estudo e fui para lá estudar medicina”, introduz, a propósito da sua passagem pela cidade de Vitebsk e, também, por Moscovo. O primeiro impacto com a nova língua, cultura e povo foi vivido na Moldávia, recorda. “Foi aí que fui aprender russo”, especifica, sem deixar de reparar que a grande dificuldade de adaptação não foi a língua, mas sim o clima. “Quem sai de um país tropical e chega a um local com temperaturas negativas, é complicado. Mas acabei por me habituar, usando toda aquela roupa para o frio”, recorda.
Foi ainda no tempo de estudante que começou a ter contacto com o nosso país. As férias passadas a visitar um primo que vivia em Portugal ajudaram-no a tomar a decisão de se estabelecer em Portugal depois de terminar a licenciatura, em 1992. Começou por prestar serviço no Hospital de São João, no Porto, mas não tardou a colaborar com os hospitais de Valongo e Aveiro. Depois de estabelecer residência em São João da Madeira, foi dedicando cada vez mais tempo aos hospitais do distrito de Aveiro.
Um pé cá e outro lá
José In-Uba diz que se sente muito bem em Portugal. Tem aqui a filha, o trabalho e a casa. Aos 60 anos, ainda não ousa falar de reforma, mas se a vida lhe permitir, quando esse dia chegar, gostaria de poder ter um pé cá e outro lá. “Sinto-me confortável em Portugal”, testemunha. Tanto assim é que até quando está na Guiné-Bissau gosta de comer comida portuguesa. “Vou a um restaurante com comida portuguesa, a Padeira”, confessa. Na sua terra natal são as pessoas que mais o atraem. “Aquele povo é muito unido e humilde”, avalia. E é a pensar nele que José Manuel In-Uba mantém a aposta na solidariedade e o sonho de fazer cada vez mais e melhor.
Em 2017, criou uma fundação com o seu nome – com sede em Bissau e delegação, oficialmente reconhecida, em Portugal – que, ao financiamento das seis escolas e envio regular de bens alimentares, está já a somar um outro empreendimento. A edificação de um liceu, em Bindoro, que possa proporcionar às crianças e adolescentes guineenses uma formação académica consistente e regular.
A saúde é outra das áreas nas quais a fundação quer apostar cada vez mais. “Havia um único ortopedista na Guiné-Bissau, que já faleceu, e não existe nenhum cirurgião. Quase todos os colegas que entram no bloco são de cirurgia geral”, alerta José Manuel In-Uba, ao mesmo tempo que defende a necessidade de se dar formação aos médicos e enfermeiros guineenses, de forma a cumprir uma assistência mais especializada e eficaz. Através da sua fundação espera conseguir vir a fazê-lo, possivelmente através de um intercâmbio.
Também espera vir a estender a intervenção da fundação a Portugal, através de apoio logístico, médico e educacional à população mais carenciada. Mas, por ora, as atenções estão centradas na Guiné.
No ano passado, José In-Uba conseguiu “contagiar” vários colegas do Hospital de Aveiro (Centro Hospitalar do Baixo Vouga). Perante o alerta de que havia muitos pacientes guineenses à espera de uma cirurgia, juntaram uma equipa de 12 voluntários – médicos cirurgiões, ortopedistas, anestesistas e enfermeiros – e fizeram as malas. Em duas semanas, realizaram cerca de 150 cirurgias – chegaram a trabalhar 12 a 13 horas por dia –, no Hospital Simão Mendes, em Bissau. Uma missão humanitária que deixou marcas indeléveis e que está prestes a ter uma nova edição: no dia 25 de Janeiro, os médicos e enfermeiros da Bisturi Humanitário (associação constituída na sequência da missão de 2019) voltam a rumar à Guiné. E José Manuel In-Uba voltará a estar com eles. Porque é a ajudar que se sente bem.