Atribuição do Nobel a Samuel Beckett dividiu a Academia Sueca
Arquivos recém-abertos mostram que há 50 anos, quando o dramaturgo e ficcionista irlandês recebeu o Nobel da Literatura, havia no Comité quem deplorasse o seu alegado niilismo e preferisse dar o prémio a André Malraux.
Na longa lista de escritores premiados com o Nobel da Literatura, o dramaturgo e ficcionista Samuel Beckett (1906-1989), que o recebeu em 1969, parece ser uma das escolhas mais óbvias. No entanto, a recente abertura dos arquivos da Academia Sueca relativos ao prémio desse ano vem mostrar que a decisão de homenagear o autor de À Espera de Godot foi tudo menos pacífica. Beckett acabou por ganhar numa renhida disputa final com André Malraux, depois de terem ficado pelo caminho candidatos como Simone de Beauvoir, Jorge Luis Borges, Pablo Neruda ou Graham Greene.
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Na longa lista de escritores premiados com o Nobel da Literatura, o dramaturgo e ficcionista Samuel Beckett (1906-1989), que o recebeu em 1969, parece ser uma das escolhas mais óbvias. No entanto, a recente abertura dos arquivos da Academia Sueca relativos ao prémio desse ano vem mostrar que a decisão de homenagear o autor de À Espera de Godot foi tudo menos pacífica. Beckett acabou por ganhar numa renhida disputa final com André Malraux, depois de terem ficado pelo caminho candidatos como Simone de Beauvoir, Jorge Luis Borges, Pablo Neruda ou Graham Greene.
O principal adversário de Samuel Beckett no Comité do Nobel, conta o diário sueco Svenska Dagbladet com base nos arquivos agora divulgados era Anders Österling, que já em anos anteriores fizera campanha contra a escolha do escritor irlandês, e que questionava que a natureza “negativa” e “niilística” da sua obra pudesse ser compatível com a intenção expressa de Alfred Nobel de que o prémio recompensasse o autor que produzisse uma obra de excelência numa “direcção idealista”, para traduzir literalmente a muito discutida expressão que utilizou no seu testamento.
Österling admitia que sob os “deprimentes tópicos” de Beckett pudesse ocultar-se “uma secreta defesa da humanidade”, mas argumentava que para a generalidade dos leitores a sua obra era “uma poesia fantasmagórica artisticamente encenada” que se caracterizava por “um profundo desprezo pela condição humana”.
Mas quatro membros do Comité apoiaram Beckett até ao fim, e só dois votaram em Malraux, que nesse mesmo ano abandonava o cargo de ministro da Cultura, que exercera durante uma década nos governos do general De Gaulle. Malraux nunca ganharia o Nobel, e tivera de se contentar em ouvir Albert Camus afirmar, quando o recebeu em 1957, que a distinção deveria ter sido atribuída ao autor de A Condição Humana.
Se Beckett já ficara provavelmente a dever ao influente Österling não ter recebido o prémio um ano antes, o escritor também tinha um admirador incondicional no Comité Nobel, Karl Ragnar Gierow, que em 1969 acabou por levar a melhor. Gierow defendia que a “visão negra” do autor não exprimia “animosidade ou niilismo”, mas que este descia às profundezas da degradação humana justamente para mostrar que até aí “existe a possibilidade de reabilitação”.
Samuel Beckett aceitou o prémio, mas não foi a Estocolmo recebê-lo nem proferiu o habitual agradecimento. E durante 50 anos esta polémica permaneceu um assunto interno e confidencial da Academia Sueca, a contrastar com o que agora se passou com Peter Handke, cuja escolha foi imediatamente criticada em público por vários membros da Academia, incluindo o ex-secretário Peter Englund.