Porto celebra 200 anos de uma revolução liberal que foi sua antes de ser do país
Programa de comemorações do 24 de Agosto de 1820 durará todo o ano e terá como momentos centrais uma grande exposição documental, já em Fevereiro, e um congresso internacional em Maio.
A inauguração, na Casa do Infante, de uma exposição documental dedicada à Revolução Liberal vai marcar, no próximo dia 20 de Fevereiro, o arranque de um extenso programa de comemorações lançado pela Câmara do Porto para assinalar os 200 anos decorridos sobre essa madrugada do dia 24 de Agosto de 1820, quando a cidade, sublevada por um pronunciamento militar a que a população de imediato aderiu, proclamou a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino e deu o primeiro passo para edificar o Portugal moderno.
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A inauguração, na Casa do Infante, de uma exposição documental dedicada à Revolução Liberal vai marcar, no próximo dia 20 de Fevereiro, o arranque de um extenso programa de comemorações lançado pela Câmara do Porto para assinalar os 200 anos decorridos sobre essa madrugada do dia 24 de Agosto de 1820, quando a cidade, sublevada por um pronunciamento militar a que a população de imediato aderiu, proclamou a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino e deu o primeiro passo para edificar o Portugal moderno.
Apresentadas esta terça-feira nos Paços do Concelho pelo seu comissário-geral, o escritor e ensaísta Pedro Baptista, e pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, as comemorações do bicentenário da revolta vão estender-se ao longo de todo o ano e incluirão um congresso internacional de três dias, comissariado pelo historiador Gaspar Martins Pereira e organizado pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto – A Construção da(s) Liberdade(s) –, que decorrerá na Biblioteca Municipal Almeida Garrett em meados de Maio.
Inaugurando um programa que engloba perto de meia centena de iniciativas – entre colóquios, conferências, debates, lançamentos de livros, concertos, visitas guiadas ou sessões de cinema –, a exposição 1820. Revolução Liberal do Porto, comissariada pelo historiador José Manuel Lopes Cordeiro, que ficará na Casa do Infante até Setembro, construiu-se essencialmente em torno de fontes portuenses, quase sempre ignoradas por uma historiografia que tem tendido a menorizar o período em que a revolta não se estendera ainda a Lisboa, esses “40 dias que abalaram o país”, para usar uma expressão de Vital Moreira citada por Pedro Baptista durante a apresentação nos Paços do Concelho.
“Disse ao José Manuel Lopes Cordeiro e ao Gaspar Martins Pereira que esta era uma oportunidade para se repor a verdade dos factos”, afirmou Pedro Baptista ao PÚBLICO. “O Porto convenceu o país, e convenceu Lisboa, mas depois de muitas vicissitudes, não foi um processo fácil”. Também Rui Moreira lembrou que “durante algum tempo o Porto mandou no país”, mas para precisar que “o importante não foi mandar, foi a inspiração que a cidade deu a Portugal”.
Para Lopes Cordeiro, a peça mais importante da exposição que comissariou é o livro de vereações onde se encontra a acta da Câmara do dia 24 de Agosto de 1820, que tem a particularidade de estar cheia de passagens rasuradas a preto, uma intervenção que se ficou a dever aos partidários de D. Miguel após a reviravolta absolutista. “O pronunciamento militar fez-se às cinco da manhã no Campo de Santo Ovídio (hoje Praça da República), e às oito horas já estava toda a gente na Câmara onde se leu a proclamação da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que inaugurava um novo regime”, explica o historiador, a quem surpreende que a acta respectiva, “um documento fundador”, transcrito na imprensa da cidade, divulgado em panfletos e depois republicado nos jornais de Lisboa quando a capital aderiu ao movimento, esteja há muito totalmente esquecido.
Para contextualizar a revolta de 1820, a exposição teve de recuar alguns anos e evocar os seus principais antecedentes: a ida da corte para o Brasil em 1807; a invasão napoleónica do Porto e o desastre da Ponte das Barcas, em 1809; a criação, pelo então príncipe regente D. João VI, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1815; a conspiração de 1817 e a execução do prestigiado general Gomes Freire de Andrade, que acicatou ainda mais a revolta contra a presença inglesa e o governo tutelado, na prática, pelo marechal Beresford; e finalmente a constituição, no Porto, da associação secreta Sinédrio, criada por Fernandes Tomás, Silva Carvalho e Ferreira Borges com o exclusivo propósito de organizar a revolução.
Se a vitória definitiva do liberalismo só viria a ocorrer em 1833 com a derrota das forças miguelistas no prolongado cerco do Porto, Lopes Cordeiro optou sensatamente por se centrar na revolta de 1820, terminando o âmbito da exposição a 4 de Julho de 1821, quando o rei desembarcou em Lisboa. “Nesta altura já estavam cumpridos dois dos principais objectivos do 24 de Agosto: o primeiro era a Constituição, que estava a ser preparada e de que já existia então um documento provisório, e o segundo era o regresso da corte”, observa o investigador, que lançará em Abril um livro sobre a revolta, que funcionará também como catálogo da exposição, mas cujas centenas de páginas ultrapassarão largamente essa função.
Uma conferência internacional sobre Dois Séculos de Constitucionalismo em Portugal (1820-2020), organizada na Universidade Lusíada por Vital Moreira e José Domingues – que publicarão em Outubro o livro Os 40 dias que mudaram Portugal (Diário da Revolução) –, o ciclo de cinema Memória, Cidadania e Liberdade, co-organizado por Jorge Campos e Maria João Castro, ou o Concerto do Pronunciamento, que fechará a 6 de Setembro, na Avenida dos Aliados, uma série de recitais, são algumas das muitas outras iniciativas agora anunciadas. “É um programa ambicioso, mas feito à nossa medida: não é espartano, mas também não é espalhafatoso”, resumiu Rui Moreira.