É p’ra Amanhã: pequenas histórias sustentáveis podem ser como “pingo de fermento que alastra”
Seis amigos partiram numa viagem a um futuro sustentável em Portugal e perceberam que só era preciso dar voz ao amanhã que já está a acontecer. O que descobriram na série documental É p’ra Amanhã começou a ser revelado este sábado, 11 de Janeiro, em Lisboa, com a ante-estreia do primeiro episódio, dedicado à alimentação.
Na maior horta social da Europa, situada no Porto, junto ao Centro Hospitalar Psiquiátrico Conde Ferreira, há quem esteja a viver uma nova vida: “Sempre vivi com a minha família num apartamento, isto é um mundo novo”, diz uma das utilizadoras da horta. Este é um dos projectos presentes no primeiro episódio da série documental É p'ra Amanhã, sobre alimentação, que teve a sua ante-estreia este sábado, 11 de Janeiro, no Cinema São Jorge, em Lisboa, integrado na programação da Lisboa Capital Verde 2020. Os restantes episódios – sobre energia e mobilidade, economia, política e educação – deverão estrear-se em breve (esperam) num canal de televisão generalista.
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Na maior horta social da Europa, situada no Porto, junto ao Centro Hospitalar Psiquiátrico Conde Ferreira, há quem esteja a viver uma nova vida: “Sempre vivi com a minha família num apartamento, isto é um mundo novo”, diz uma das utilizadoras da horta. Este é um dos projectos presentes no primeiro episódio da série documental É p'ra Amanhã, sobre alimentação, que teve a sua ante-estreia este sábado, 11 de Janeiro, no Cinema São Jorge, em Lisboa, integrado na programação da Lisboa Capital Verde 2020. Os restantes episódios – sobre energia e mobilidade, economia, política e educação – deverão estrear-se em breve (esperam) num canal de televisão generalista.
Escolheram a alimentação para o arranque da série, mas estão ali as linhas fortes de um projecto que procurou narrativas inspiradoras de mudança. “O que vimos foram soluções fáceis de replicar”, conta Verónica Silva, responsável pela comunicação da série. Dos 850 projectos nacionais que mapearam, a equipa – composta pelo Pedro Serra (realizador), Luís Costa (coordenação e produção), Francesco Rocca, (gestão) Verónica Silva e Teresa Carvalheira (comunicação) e Edgar Rodrigues (design) – filmou 60.
Para falar daquilo que comemos (de onde vem, como é produzido) viajaram de norte a sul do país, para mostrar a Horta da Partilha, no Porto, onde “tudo é de todos”, ou o Programa de Sustentabilidade Alimentar de Torres Vedras, que está a conseguir benefícios importantes a nível alimentar e ambiental no município, mas também com impactos positivos na economia local. Até as embalagens descartáveis desapareceram: agora, os fornecedores locais entregam a granel ou em embalagens reutilizáveis.
No centro de Lisboa, dão voz ao projecto Mouraria Composta, que vai colocar compostores comunitários em diversos locais do bairro. “Se agora quiséssemos construir uma rede de compostagem porta a porta não precisávamos de criar de raiz, alguém já o fez. Posso pedir ajuda para implementar no meu bairro”, explica Verónica Silva.
Muitos dos projectos que visitaram foram recomendados na lógica de participação colectiva em que todo o documentário assenta: houve quem contribuísse com sugestões de projectos, outros com financiamento através do crowdfunding, outros com logística ou estadias nos locais. A série conta ainda com um financiamento de 49 mil euros do programa No Planet B da AMI. Teresa Carvalheira recorda como ficaram alojados quase uma semana em São Mamede de Infesta na casa de “uma família de cinco mulheres, mãe e quatro filhas”, familiares de uma das pessoas retratada no documentário.
Foi também um amigo que lhes fez chegar a história de João Vieira, ou “Sr. João”, como é tratado pela equipa. É ele a voz do documentário que mais veementemente questiona a agricultura intensiva. Produtor de trigo barbela no Cadaval, defensor e praticante da agro-ecologia, acredita que o aumento da produção do trigo “moderno” foi acompanhado por uma diminuição da nutrição. “Comemos pão para nos alimentarmos ou para nos enchermos?”, lança.
“É uma loucura transportar a grandes distâncias aquilo que se consome”, continua João Vieira. E eis que na grande tela surge a pergunta: será a agricultura intensiva a única forma de responder as necessidades alimentares de uma população mundial em crescimento? A questão, diz Isabel Mourão, professora coordenadora da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, é outra: caminhamos para uma degradação tal do ambiente que não haverá onde e como produzir. “O homem não manda nisto tudo, não é mais do que uma minhoca ou um fungo”, diria minutos mais à frente.
Rumando ao Sul – e também na forma a equipa da série tentou ser sustentável, recorrendo a transportes públicos, bicicleta e, em casos pontuais, ao carro eléctrico – levam o espectador ao encontro de Alfredo Cunhal Sendim, cuja herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo, é já exemplo reconhecido de agro-ecologia e de um sistema de co-produção, e da Associação Terra Sintrópica em Mértola, que está a conseguir produzir hortícolas e frutícolas para abastecer um concelho com 6 mil pessoas num cenário de grave escassez hídrica.
No debate que se seguiu à projecção, intitulado “E agora? O que é que posso fazer?”, um espectador pergunta como se pode ir além da mudança individual ou de pequena escala. À excepção do Freixo do Meio, instalado numa área com 600 hectares, todos os outros projectos são ainda de pequena dimensão. É Marta Cortegano, da Associação Terra Sintrópica, quem pede a palavra para defender o potencial dos pequenos exemplos: “No ano passado mudaram-se para Mértola 17 pessoas para trabalhar connosco.”
No painel de debate participaram ainda Rui Catalão – que, com Maria Antunes, acaba de fazer crescer o projecto Kitchen Dates para um restaurante em Telheiras onde não há caixote do lixo – e Isabel Castanheira, fundadora da Quinta dos 7 nomes, em Colares, uma quinta, mercearia ecológica e centro de formação em permacultura e agricultura biológica. Para Isabel Castanheira é urgente que se comece a agir, por mais pequena que seja essa acção. Mas defendeu que, hoje, o caminho para a mudança sistémica tem de passar pela desobediência civil, de modo a pressionar o poder político. Na audiência estiveram presentes André Silva e Francisco Guerreiro, do PAN— Pessoas-Animais-Natureza, e também José Sá Fernandes, vereador da Câmara Municipal de Lisboa.
“Acreditar que conseguimos mudar o sistema só com a forma como consumimos é irrealista”, acrescentaria Luís Costa, formando em engenharia biomédica e um dos produtores da série. Para Isabel Castanheira, a força dos pequenos pequenos exemplos tem de ser com “pingo de fermento que alastra”. Será também essa a força das pequenas histórias? “Há uma aversão à mudança”, diz Verónica Silva. “Mas o que sentimos mais ao longo desta viagem é que não estamos sozinhos. E as pessoas que já mudaram também não.”