Um desastre a seguir ao outro: dez anos depois do sismo, o Haiti não se reergueu

A 12 de Janeiro de 2010, um sismo de 7,1 de magnitude na escala de Richter devastou Port-au-Prince, no Haiti. Cerca de 316 mil pessoas morreram e mais de um milhão ficou sem casa.

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Port-au-Prince, no Haiti, a 29 de Janeiro de 2010 JORGE SILVA/Reuters

Eram quase cinco da tarde quando a casa de Marie-Mislen Thomas caiu em cima dos seus três filhos. Durante a primeira hora do pesadelo, no dia 12 de Janeiro de 2010, Thomas conseguiu tirar Chilo e Jameson dos escombros e demorou mais umas horas a encontrar Rose, de dois anos, que acabou por perder parte da perna. 

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Eram quase cinco da tarde quando a casa de Marie-Mislen Thomas caiu em cima dos seus três filhos. Durante a primeira hora do pesadelo, no dia 12 de Janeiro de 2010, Thomas conseguiu tirar Chilo e Jameson dos escombros e demorou mais umas horas a encontrar Rose, de dois anos, que acabou por perder parte da perna. 

O abalo, de 7,1 de magnitude na escala de Richter, foi um dos maiores desastres naturais de que há registo, com um impacto colossal na capital Port-au-Prince, no Haiti.

Com o apoio de uma organização humanitária francesa, a família de Marie-Mislen Thomas foi realojada em Canaan, um bairro de lata, num terreno baldio, a duas horas de distância da casa que tinham em Port-au-Prince. Uma outra organização não-governamental arranjou a Rose muletas e uma prótese para a perna que perdeu.

Depois, a família Thomas, assim como centenas de milhares de haitianos que sobreviveram ao sismo, foi deixada à sua sorte.

Passados dez anos, a família vive agora numa barraca que inunda quando chove em Canaan, que se transformou no maior bairro de lata do Caribe, albergando mais de 300 mil pessoas, relata a Associated Press. Entre promessas das organizações não-governamentais, dos governos estrangeiros e do Governo do Haiti, Canaan continua sem água potável, electricidade ou serviços públicos.

Mais de um milhão sem casa

Ao final da tarde de 12 de Janeiro de 2010, Port-au-Prince tremeu durante quase um minuto. O sismo provocou 316 mil mortos e destruiu escolas, hospitais e vários edifícios na capital. Os primeiros balanços apontavam para pelo menos três milhões de pessoas afectadas — o equivalente a um terço da população à época.

Mais de um milhão de pessoas ficaram sem casa. E, apesar dos milhões de dólares investidos na recuperação, passada uma década, o rasto deixado pelo sismo mostra-nos a incapacidade dos actores internacionais (e dos sucessivos governos) de darem resposta às necessidades dos que perderam tudo.

“A comunidade internacional foi muito eficaz nos primeiros três ou quatro meses, forneceu água e tendas, medicamentos e alimentos”, conta à AP Leslie Voltaire, haitiano especialista em planeamento urbano. E depois? “Tem sido um desastre. Todos os deslocados estão em Canaan ou noutros bairros de lata”.

Leslie Voltaire acusa os vários governos do país de nada fazerem para melhorar as condições de vida da população. A AP tentou ouvir os responsáveis, incluindo o Presidente do Haiti, Jovenel Moïse, — que, em Dezembro, pediu à chamada comunidade internacional mais dinheiro para a reconstrução do país —, mas ninguém quis comentar.

Por outro lado, as ONG mostram-se incapazes de agir num país colapsado, onde impera a violência e a instabilidade. “A maior parte dos médicos saíram do país e o sistema de saúde do Haiti ficou à beira do colapso perante uma escalada da crise política e económica”, disse Hassan Issa, da organização Médicos Sem Fronteiras.

O descontentamento da população

Em Setembro de 2019, começaram a eclodir protestos contra Moïse, eleito em 2016. À data, apenas 21% dos eleitores participaram nas eleições, que ficaram marcadas por acusações de fraude.

Os protestos contra Jovenel Moïse, acusado de corrupção e má gestão, paralisaram o país, onde vivem cerca de 11 milhões de pessoas. Com ruas barricadas, escolas encerradas e uma rede eléctrica danificada, o Haiti tornou-se terreno fértil para os gangues explorarem. Em Dezembro passado, os protestos perderam força.

A população revoltou-se após ter sido divulgado um relatório de um inquérito judicial que concluiu que altos responsáveis do Governo usaram 3,8 milhões de dólares para benefício próprio e que Moïse e 15 antigos ministros e funcionários desviaram dinheiro dos cofres do Estado.

Hoje em dia, os apagões são frequentes, a inflação subiu no final do ano para 20% (deixando os bens de primeira necessidade fora do alcance da maior parte da população) e os haitianos seguem frustrados.

As eleições legislativas, que deveriam acontecer em Outubro de 2019, não se realizaram e o Haiti permanece sem órgão legislativo, com Moïse a monopolizar o poder político.

Por mais resiliência que exista, o país — que era, em 2010, o mais pobre do hemisfério ocidental — não se conseguiu reerguer. O palácio nacional, antiga residência presidencial, e outros edifícios históricos continuam por reconstruir, assim como a casa de dezenas de milhares de pessoas que ainda se encontram em alojamentos temporários.

É certo que, após o sismo, montou-se uma das maiores operações de ajuda humanitária de que há memória, com 12 mil ONG empenhadas em ajudar a população e reconstruir o país. No entanto, tais missões foram também alvo de críticas, com os capacetes azuis da ONU a serem acusados de casos de violação de mulheres e crianças e de serem responsáveis pelo surto de cólera que matou mais de nove mil pessoas.

No décimo aniversário da tragédia, 60% da população haitiana continua a viver com menos de dois dólares por dia.