Há limites, deputada Joacine!
A deputada assume atitudes que indiciam uma tentativa de subjugar o direito de informar ao direito à imagem
Lê-se e não se acredita. No plano internacional, a semana foi dominada pelo clima de crescente tensão entre os EUA e o Irão, depois de o presidente Trump ter autorizado o ataque que matou o número dois do regime de Teerão, o general Qassem Soleimani, durante uma visita ao Iraque. Em Portugal, realizaram-se as últimas negociações prévias à aprovação na generalidade do Orçamento do Estado para 2020, na sexta-feira. Mas, para surpresa do país, a deputada eleita pelo Livre, Joacine Katar Moreira, foi notícia, não por razões políticas, mas pelo que pode ser visto como uma demonstração de vaidade desmesurada, de mitomania exacerbada ou, simplesmente, porque tem uma incorrigível tendência para o disparate.
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Lê-se e não se acredita. No plano internacional, a semana foi dominada pelo clima de crescente tensão entre os EUA e o Irão, depois de o presidente Trump ter autorizado o ataque que matou o número dois do regime de Teerão, o general Qassem Soleimani, durante uma visita ao Iraque. Em Portugal, realizaram-se as últimas negociações prévias à aprovação na generalidade do Orçamento do Estado para 2020, na sexta-feira. Mas, para surpresa do país, a deputada eleita pelo Livre, Joacine Katar Moreira, foi notícia, não por razões políticas, mas pelo que pode ser visto como uma demonstração de vaidade desmesurada, de mitomania exacerbada ou, simplesmente, porque tem uma incorrigível tendência para o disparate.
Como o PÚBLICO noticiou terça-feira, Joacine Katar Moreira tentou proibir a publicação no site da Assembleia da República de uma fotografia em que constava. Por razões que não quis explicar aos jornalistas – já que, depois de questionado, seu serviço de assessoria de imprensa recusou comentar o assunto –, a deputada achou-se no direito e senhora do poder de vetar uma foto oficial dos membros da Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, à qual pertence. É claro que não conseguiu nada, além de se expor ao ridículo. Na troca de emails que ocorreu, os serviços parlamentares recusaram tal exigência, explicando o que toda a gente minimamente informada sabe e que, por maioria de razão, quem é eleito à Assembleia da República tem obrigação de saber.
Os serviços parlamentares fizeram mesmo questão de lembrar à deputada que a “divulgação da foto da comissão decorre das funções de representação” político-parlamentar e que o número 2 do artigo 79.º do Código Civil determina que “não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente”.
A deputada do Livre entrou em São Bento como defensora de causas, desde o combate ao racismo à defesa dos direitos das mulheres. Ainda que mostrando alguma presunção, ao assumir-se como a única anti-racista e feminista em Portugal, a missão que se atribui é nobre. Mas tem sido notícia por razões erradas – pelo menos pelo que tem demonstrado desde que tomou posse.
Logo no primeiro dia, surgiu com um novo penteado, em que acrescentou extensões ao seu cabelo, numa manifestação de africanidade que, por muito legítima que seja do ponto de vista do activismo político, deixa dúvidas sobre os limites do aproveitamento da imagem por parte da deputada do Livre. Isto, no mesmo dia, em que o seu assessor de imprensa decidiu chamar à atenção apresentando-se de saia – uma indumentária que a alta costura masculina recuperou há anos e que é perfeitamente normal em Nova Iorque, Londres, Berlim ou Paris, não em Lisboa, muito menos na Assembleia da República. O mesmo assessor que esteve envolvido na decisão de pedir a um agente da GNR para escoltar a deputada do Livre dentro do Parlamento, para que os jornalistas dela não se aproximassem no exercício da sua profissão de perguntar. No fundo, a deputada assume atitudes que indiciam uma tentativa de subjugar o direito de informar ao direito à imagem.
Com repercussão pública sobre a imagem do Livre, Joacine Katar Moreira iniciou uma querela com o partido, pelo qual foi eleita e cuja direcção integra, por se ter abstido no voto do PCP contra um ataque israelita à Faixa de Gaza, quando a posição oficial do partido é claramente pró-palestiniana. Um diferendo que podia até ter tido um fundo de divergência política, pois a deputada tem autonomia no desempenho do seu mandato para votar como quiser.
A verdade é que Joacine Katar Moreira nunca evocou razões políticas, antes confrontou a direcção do Livre com uma atitude de autonomia individual que não é compaginável com a sua eleição numa lista partidária num sistema eleitoral proporcional. O resultado foi o arrastar do diferendo, que nada de politicamente útil deu ao partido, nem à deputada. Ainda esta polémica corria, quando mais uma vez Joacine Katar Moreira rebenta nas notícias porque não entregou a tempo um projecto de lei sobre nacionalidade, tema que era uma das apostas do programa eleitoral do Livre.
Em pouco mais de dois meses, Joacine Katar Moreira tornou-se um dos deputados da actual legislatura mais conhecidos e mais noticiados. Tristemente por más razões. É do mínimo bom senso que Joacine Katar Moreira estude as regras parlamentares e os preceitos constitucionais e legais que enquadram o seu mandato de deputada. O Parlamento é um órgão de soberania onde os deputados representam os cidadãos, não um palco para sedes de protagonismo. Há limites à vaidade, à presunção, à mitomania e ao disparate.