Voo 655, o desastre aéreo que o Irão nunca perdoou
O abate de um avião da Iran Air com 290 pessoas a bordo por um navio de guerra norte-americano, em 1988, foi o momento em que os iranianos “perceberam que estavam indefesos na sua própria região”.
Em Julho de 1988, numa altura em que a guerra de oito anos entre o Irão e o Iraque entrava na recta final sem que ninguém antecipasse esse fim abrupto, um Airbus A300 da companhia aérea iraniana era abatido quando cruzava o Estreito de Ormuz. Seguiam a bordo 290 pessoas, incluindo 66 crianças. Nenhuma sobreviveu.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Em Julho de 1988, numa altura em que a guerra de oito anos entre o Irão e o Iraque entrava na recta final sem que ninguém antecipasse esse fim abrupto, um Airbus A300 da companhia aérea iraniana era abatido quando cruzava o Estreito de Ormuz. Seguiam a bordo 290 pessoas, incluindo 66 crianças. Nenhuma sobreviveu.
Ao contrário do que aconteceu nos casos do Boeing ucraniano que se despenhou em Teerão na quarta-feira com 176 pessoas a bordo, e do avião da Malaysia Airlines que caiu no Leste da Ucrânia, em 2014, matando todos os 298 ocupantes, a causa do desastre aéreo de 3 de Julho de 1988 nunca chegou a ser um mistério.
Nas edições do dia seguinte, os jornais norte-americanos já contavam a parte essencial da história: “Um navio de guerra dos Estados Unidos no Golfo Pérsico abateu um avião iraniano de passageiros que a Marinha diz ter confundido com um caça, e o Irão disse que todas as 290 pessoas a bordo morreram”, lia-se no New York Times.
No dia 3 de Julho de 1988, o navio USS Vincennes patrulhava o Golfo Pérsico numa operação para proteger os petroleiros do Kuwait, no âmbito do apoio norte-americano ao Iraque de Saddam Hussein na guerra contra o Irão do ayatollah Ruhollah Khomeini.
O navio de guerra dos Estados Unidos, equipado com o avançado sistema de combate Aegis, entrara em águas territoriais do Irão para dar caça a barcos iranianos que tinham disparado contra um helicóptero norte-americano, e o desastre aconteceu pouco depois.
Segundo a primeira versão oficial dos Estados Unidos, o comandante do USS Vincennes recebeu informações contraditórias sobre a origem civil ou militar de um avião iraniano, que se deslocava em direcção ao navio, e ordenou o lançamento de dois mísseis após várias tentativas de contacto.
Essa versão nunca convenceu as autoridades iranianas, que questionam, até hoje, a tese de erro: como poderia um navio de guerra norte-americano, equipado com a mais moderna tecnologia da época, confundir um gigantesco Airbus que ganhava altitude e se afastava da zona, com um pequeno caça F-14 Tomcat a perder altitude e a aproximar-se do navio?
O então Presidente norte-americano, Ronald Reagan, lamentou o desastre, referindo-se ao erro como “uma acção defensiva adequada” e, em resposta a uma pergunta de um jornalista, admitiu que o seu comunicado oficial podia ser interpretado como um pedido de desculpas.
Os Estados Unidos nunca tornaram oficial esse pedido de desculpas, e aceitaram pagar 131,8 milhões de dólares em compensações ao Irão oito anos depois do desastre, num acordo para descontinuar uma acusação das autoridades iranianas no Tribunal Internacional de justiça.
Para os iranianos, a forma como os Estados Unidos reagiram ao desastre de Julho de 1988 contribuiu para agravar a desconfiança entre os dois países, perdida com a revolução islâmica de 1979.
“A consequência imediata da tragédia desempenhou um papel significativo na política iraniana e influenciou algumas grandes decisões”, disse o jornalista iraniano Ali Chenar num artigo publicado em 2010 no site Tehran Bureau – parceiro do canal público norte-americano, PBS, e do jornal britânico Guardian.
“Muitos iranianos, incluindo vários políticos, leram o ataque como um sinal de que os Estados Unidos iam entrar na guerra ao lado do Iraque. Menos de um mês depois, o Irão aceitou um cessar-fogo, em parte porque os líderes iranianos sabiam que não podiam vencer uma guerra contra o Iraque e os Estados Unidos, pelo menos se essa guerra fosse travada de forma convencional.”
“Com o abate do Voo 655, muitos iranianos perceberam que estavam indefesos na sua própria região e nas suas águas e espaço aéreo. E os militares aproveitaram-se disso”, salientou Ali Chenar. “Ainda hoje”, concluiu o jornalista, “os conservadores da linha dura continuam a usar a tragédia para defenderem o reforço da capacidade militar do Irão, e também para sublinharem a acusação de que o Ocidente tem dois pesos e duas medidas”.