Irão admite ter abatido avião e em Teerão exige-se a demissão do ayatollah

Admissão de culpa ao fim de três dias gerou protestos na capital do país, onde os manifestantes pediram a demissão do ayatollah Ali Khamenei.

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Destroços da queda do avião da Ukraine International Airlines LUSA/ABEDIN TAHERKENAREH

Os dias de solidariedade e patriotismo no Irão, após o assassínio do general Qassem Soleimani e a resposta iraniana com mísseis contra bases norte-americanas no Iraque, deram lugar, este sábado, a manifestações de raiva contra o ayatollah Ali Khamenei. A súbita mudança de sentimentos aconteceu logo pela manhã, quando as autoridades do país anunciaram que o avião ucraniano que se despenhou em Teerão com 176 pessoas a bordo, na quarta-feira, foi abatido por um míssil iraniano: “Quando percebi o que tinha acontecido, desejei morrer”, diria mais tarde o general Amir Ali Hajizadeh, comandante da brigada aeroespacial dos Guardas da Revolução.

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Os dias de solidariedade e patriotismo no Irão, após o assassínio do general Qassem Soleimani e a resposta iraniana com mísseis contra bases norte-americanas no Iraque, deram lugar, este sábado, a manifestações de raiva contra o ayatollah Ali Khamenei. A súbita mudança de sentimentos aconteceu logo pela manhã, quando as autoridades do país anunciaram que o avião ucraniano que se despenhou em Teerão com 176 pessoas a bordo, na quarta-feira, foi abatido por um míssil iraniano: “Quando percebi o que tinha acontecido, desejei morrer”, diria mais tarde o general Amir Ali Hajizadeh, comandante da brigada aeroespacial dos Guardas da Revolução.

O vídeo que circulava desde quinta-feira nas redes sociais, em que se via um avião a ser atingido por um projéctil e a despenhar-se, e a pressão do Reino Unido e do Canadá para que o Irão admitisse a responsabilidade pelo desastre, indicavam que o Governo iraniano tinha pouca margem de manobra para manter a sua posição inicial – a de que a queda do Boeing 737 ucraniano tinha sido provocada por problemas técnicos.

No Twitter, o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, lamentou “profundamente” o “erro desastroso” e ofereceu as suas condolências às famílias das vítimas.

“A investigação interna das Forças Armadas concluiu que, lamentavelmente, os mísseis disparados devido a erro humano foram a causa do terrível acidente com o avião ucraniano e causaram a morte de 176 pessoas inocentes. As investigações vão continuar para identificar e levar à justiça [os autores] desta grande tragédia e erro imperdoável”, disse Rouhani.

“Demita-se!”

À medida que a admissão de culpa ia chegando à população, que ouvira durante três dias as garantias das autoridades de que o desastre tinha sido acidental, centenas de pessoas começaram a juntar-se nas imediações da Universidade Amirkabir, e noutros pontos da capital, para exigirem a saída do ayatollah Khamenei.

“Comandante supremo, demita-se, demita-se!”, gritavam os manifestantes, segundo os relatos da Al Jazeera, da agência Reuters e do jornal britânico Guardian. Alguns deles diziam não perceber porque é que as autoridades não proibiram os voos comerciais nos últimos dias, quando se podia esperar um ataque norte-americano após a retaliação do Irão pelo assassínio do general Soleimani.

“Há muita raiva”, disse a jornalista Dorsa Jabbari, da Al Jazeera. “Os iranianos exigem justiça e responsabilização. Muitas pessoas, incluindo familiares das vítimas, estão em choque. Não percebem porque é que o seu Governo lhes mentiu durante tanto tempo.”

Apesar de a admissão de culpa só ter chegado este sábado, o general Amir Ali Hajizadeh, da brigada aeroespacial dos Guardas da Revolução, disse que informou os seus superiores do “erro humano” logo na quarta-feira.

Segundo o mesmo responsável, um operacional dos Guardas da Revolução disparou contra o avião ucraniano julgando tratar-se de um míssil norte-americano.

“Eles dizem que vão investigar o incidente, e então? Isso não vai trazer ninguém de volta”, disse ao Guardian uma iraniana que se identificou apenas como Nastaran. “Acusar e julgar o homem que fez isto não vai mudar nada. As pessoas estavam felizes depois de nos termos vingado dos americanos. Esse sentimento desapareceu.”

O avião, um Boeing 737 da companhia aérea Ukrainian International Airlines, tinha descolado de Teerão com destino a Kiev, despenhando-se dois minutos depois nos arredores da capital iraniana. O acidente ocorreu horas depois do lançamento de 22 mísseis iranianos contra duas bases da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, em Al Assad e Erbil, no Iraque, numa operação de vingança pela morte do general iraniano Qassem Soleimani.

"Investigação completa"

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, disse que o facto de o Irão ter admitido responsabilidade no abate do avião ucraniano mostra que “estão prontos para uma investigação completa”. E salientou que ainda há muitas perguntas “para as quais não se conhecem resposta”.

“É precisamente em tempos de conflito e tensão que vidas inocentes são perdidas. O contexto no Médio Oriente contribuiu para este desfecho, mas o Irão assumiu responsabilidade sobre este incidente”, reconheceu Trudeau, que disse ter conversado com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o caso.

Justin Trudeau pediu que os investigadores canadianos fossem “incluídos na investigação em tudo, da caixa negra a todos os outros processos”. E pediu também que os responsáveis iranianos se comprometam com o Canadá e com outros parceiros internacionais “com vista ao fim da escalada de tensão na região”.

“Indignado e furioso”, Trudeau disse ainda ter falado com o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, e exigido uma investigação completa com “total transparência sobre como uma tragédia tão horrível pode ter acontecido”. Segundo Trudeau, o Presidente Rouhani comprometeu-se a interromper a escalada de tensão.

Já o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, divulgou no Twitter um vídeo dos protestos no Irão, afirmando que os iranianos “estão cansados das mentiras do regime, da corrupção, ineptidão e brutalidade dos Guardas da Revolução”. Para o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, a admissão do Irão foi “um primeiro passo importante”.

Este sábado, o embaixador britânico no Irão, Rob Macaire, foi detido durante os protestos em Teerão. O embaixador terá ficado sob custódia durante cerca de uma hora e terá sido acusado de incitar protestos contra o Governo iraniano, segundo meios de comunicação locais citados pela BBC. O ministério dos Negócios Estrangeiros britânico descreveu a detenção como uma “violação flagrante da lei internacional”.

Por sua vez, o embaixador iraniano no Reino Unido, Hamid Baeidinejad, pediu desculpas por ter partilhado “conclusões erradas” sobre o acidente – antes de o Irão admitir a culpa, Baeidinejad estava “confiante” de que nenhum míssil iraniano teria sido lançado.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, falou também por telefone com o seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelensky. Para além de combinarem uma visita de Macron a Kiev, a Ucrânia anunciou que França lançou os procedimentos formais para iniciar uma investigação internacional sobre a queda do avião, e prontificou-se para analisar as caixas negras.

O Presidente da Ucrânia exigiu também a punição dos responsáveis pelo abate do avião.

“A manhã trouxe a verdade. A Ucrânia insiste num pleno reconhecimento de culpa. Esperamos do Irão que leve os culpados à justiça, que devolva os corpos, que pague uma indemnização e que publique um pedido de desculpas oficial”, disse Volodimir Zelensky no Twitter. “A investigação tem de ser completa, aberta e deve continuar sem atrasos ou obstáculos”, acrescentou.

O aparelho abatido transportava 167 passageiros e nove tripulantes de várias nacionalidades, incluindo 82 iranianos, 11 ucranianos, dez suecos, quatro afegãos, três alemães e três britânicos. Muitas das vítimas eram cidadãos iranianos com dupla nacionalidade.

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Canadá reviu em baixa o número de vítimas do país, que passou de 63 para 57, após uma “análise aos documentos de viagem”. No entanto, o número total de passageiros que tinham como destino final o Canadá mantém-se em 138, disse François-Philippe Champagne, em conferência de imprensa. com Inês Chaíça