Da Persian Square ao busto de Rudaki
“Que isto sirva de AVISO, se o Irão atacar algum americano ou activo americano temos 52 locais alvos iranianos seleccionados (representando os 52 americanos feitos reféns pelo Irão há muitos anos), alguns de nível muito alto & importantes para o Irão & a cultura iraniana” Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos.
Persian Square
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Persian Square
No cruzamento do Westwood Boulevard e da Wilkins Avenue fica a Persian Square, coração da Tehrangeles (palavra composta formada a partir de Teerão em inglês e Los Angeles), que começou com as primeiras chegadas de imigrantes iranianos por volta dos anos 1960 e engrossou a partir de 1979 com os foragidos da Revolução Islâmica. Deu origem ao romance homónimo de Ben Cuddon que fala dessa comunidade de desenraizados que traz os seus costumes para o melting pot do sul da Califórnia através dos olhos do seu narrador, Josh, um estudante americano que se apaixona por uma iraniana na universidade. Gente comum à procura de se reconstruir, agarrada à cultura como pátria por entre milionários do imobiliário, ricos de Beverly Hills e estrelas da música pop. “Que se lixe [o general Qassem] Soleimani, quero lá saber dele, também não quero saber de [Donald] Trump, mas isto irá levar a uma escalada de tensão na região”, disse ao New York Times Farsheed Nooryani, um agente imobiliário iraniano-americano, um desses que fizeram Tehrangeles. Outro, Farid Khanlou, dono de uma frutaria em Westwood, afirma ao Los Angeles Times: “Este país tem sido bom para nós, mas onde estão as nossas raízes? No Irão, sempre no Irão.”
O paraíso sem o cheiro da sopa
O sucesso havia começado com a ash reshteh, espessa sopa de cinco tipos de leguminosas, cebola e uma variedade de ervas, cozinhada durante oito horas. A partir do sucesso alcançado no mercado de Natal de Union Square, em 2012, Saeed Pourkay, imigrante iraniano em Nova Iorque, antigo co-proprietário de uma gráfica, criou o Taste of Persia NYC, um restaurante take away dentro de uma pizzaria na rua 18 de Manhattan. Abriu em Março de 2013 e daí para cá transformou-se numa das grandes referências culinárias da cidade – Ligaya Mishan, quando escreveu sobre ele no New York Times, deu ao texto o título de “Encontrar a felicidade no paraíso”. No entanto, esse ponto de referência gastronómica de Nova Iorque, que se transformara nestes anos numa porta de entrada para a cultura culinária persa em Manhattan, vai fechar portas no final deste mês. Os novos donos da Pizza Paradise têm outros planos para o espaço e puseram um ponto final ao leasing de Pourkay, acabando com “o melhor local para comer sopa em Nova Iorque”, como Carey Polis afirmou em Dezembro na sua crítica para o site Bon Appétit. “O conhecimento da comida leva-o ao conhecimento da vida”, escreve o chef Kamran Sharareh, de Teherangeles, no seu livro sobre a cultura persa.
“A casa mais valiosa do mundo”
Foi um americano que lhe deu o epíteto de “a casa mais valiosa do mundo”, Arthur Upham Pope, num artigo dos anos 1960 sobre o estudo das artes no Irão, uma das suas especialidades (consultor de Calouste Gulbenkian e fundador do American Institute for Persian Art em Nova Iorque, que se tornou mais tarde no Asia Institute, em Shiraz, quando o clima de caça às bruxas da Guerra Fria o transformou em pária nos EUA pelas suas simpatias comunistas), falava da então residência do professor Mohsen Moghadam, pioneiro iraniano da arqueologia, que hoje é um museu com o seu nome em Teerão. O traçado da casa é simples, com jardins, fontes, árvores de fruto, seguindo os ditames tradicionais da arquitectura persa, o que a distingue são as antiguidades que o arqueólogo foi salvando da destruição ao longo dos anos: azulejos, pedaços de pedras, tecidos, narguilés, cerâmica, vitrais, pinturas, moedas, pedras preciosas, uma miscelânea da história milenar persa. É um lugar de cultura discretamente escondido por trás de uma porta modesta e de um muro que protege os seus jardins do bulício da metrópole iraniana. Como se o coração precioso de Teerão fosse demasiado modesto para bater ao mesmo ritmo frenético da capital iraniana.
“Este mundo nada é mais que fábula e vento”
Ainda a América era só terra dos seus nativos – e nem índios havia a chamar porque tardaria séculos o engano de Colombo – e já o poeta Rudaki escrevera “que este mundo não é mais que fábula e vento”. Aquele que é um dos mais famosos poetas persas tem, desde Dezembro passado, um busto na Universidade Estatal de Moscovo. Na ocasião, o reitor da escola russa, sublinhou as relações culturais estreitas entre as nações de língua persa e o povo russo, sublinhando a necessidade de expansão das relações académicas e culturais entre os países, aquilo a que hoje se deu para designar de soft power. Rudaki, músico, declamador, copista e poeta da corte do rei samânida Nasr II, caiu em desgraça nos últimos anos de vida e morreu pobre, demonstrando biograficamente quão certo estava nesse seu poema, cujo verso seguinte é “traz cá o vinho e o que for será”. O nome daquele que acabaria por ficar conhecido para a história como o “Adão dos poetas” não se desfez no vento e mesmo que das suas 100 mil coplas só tenham sobrevivido umas mil, nessas assentou toda a poesia persa moderna. Optimismo, charme e, para o fim, melancolia marcam os seus versos: “Felizes devemos ser com o que nos calha/E não pensar no que já passou”.
Jornalista. Escreve à sexta-feira