Uma questão de transparência
O sistema judiciário tem um problema óbvio de comunicação com a sociedade. É a falta da compreensão das decisões judiciais que permite o alarido social e que cria espaço para a desinformação, independentemente do mérito, ou não, da decisão tomada.
A renúncia da juíza conselheira Clara Sottomayor ao cargo no Tribunal Constitucional só é nebulosa porque o sistema judiciário insiste em viver numa realidade paralela, própria, que a sociedade cada vez menos compreende, apesar de ser apenas esta que justifica a existência de um sistema que, vivendo enclausurado, não cumpre a sua razão de ser.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A renúncia da juíza conselheira Clara Sottomayor ao cargo no Tribunal Constitucional só é nebulosa porque o sistema judiciário insiste em viver numa realidade paralela, própria, que a sociedade cada vez menos compreende, apesar de ser apenas esta que justifica a existência de um sistema que, vivendo enclausurado, não cumpre a sua razão de ser.
O que aconteceu neste processo desde o dia da renúncia é inqualificável, porque, pelo enquadramento deste sistema que vive fechado sobre si mesmo, a decisão da juíza conselheira renunciar ao seu cargo, por, em consciência, considerar que não pode subscrever uma decisão – relativa à chamada Lei dos Metadados – em que a sua participação foi omitida, foi rapidamente explicada de outra forma, por fontes anónimas, com falsidades e meias verdades, sem direito a um contraditório que o sistema inviabiliza, com ataques ad hominem, e justificada por um alegado “ativismo feminista”, numa ideia que depois é replicada em comentários e artigos de opinião.
Esgrimir estereótipos como “feminista” ou “machista” numa discussão sobre o sucedido numa decisão colegial de um tribunal ultrapassa claramente os limites da razoabilidade e consubstancia um mau serviço prestado à democracia; porque são estas situações que concorrem para a perceção de descrédito da justiça, que contribuem para o aumento da incompreensibilidade do processo de elaboração das decisões judiciais e, inevitavelmente, para a desconfiança dos cidadãos em relação aos tribunais e à operação de todo o sistema judiciário.
Não se pode confundir recato ou reserva com opacidade; nesta era da comunicação feita à velocidade da luz, imediata, digital, em que já sabemos que os tempos processuais não são os tempos mediáticos ou da sociedade, em que os efeitos da comunicação são palpáveis e, muitas vezes, nefastos, impedir a participação dos agentes do sistema judicial no espaço público é promover a erosão da confiança dos cidadãos no sistema judiciário. Como podemos considerar uma função imparcial e independente, se é sonegado ao cidadão o direito de saber como se constroem decisões que, em última análise, nos dizem respeito, a todos? O sistema judiciário tem um problema óbvio de comunicação com a sociedade. É a falta da compreensão das decisões judiciais que permite o alarido social e que cria espaço para a desinformação, independentemente do mérito, ou não, da decisão tomada.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico