Tancos: Belém sem novo pedido para depoimento presencial de Costa
Germano Marques da Silva, advogado de Azeredo Lopes, diz que a insistência do magistrado Carlos Alexandre para ouvir o primeiro-ministro em pessoa “é uma guerra entre o juiz e o Conselho de Estado com a qual o arguido nada tem a ver”.
A Presidência da República confirmou esta quarta-feira ao PÚBLICO não ter recebido nenhuma “comunicação adicional” do juiz de instrução criminal do processo de Tancos relativa ao pedido para que o primeiro-ministro deponha presencialmente como testemunha de Azeredo Lopes no processo de Tancos.
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A Presidência da República confirmou esta quarta-feira ao PÚBLICO não ter recebido nenhuma “comunicação adicional” do juiz de instrução criminal do processo de Tancos relativa ao pedido para que o primeiro-ministro deponha presencialmente como testemunha de Azeredo Lopes no processo de Tancos.
Depois de ser conhecido o despacho do juiz Carlos Alexandre em que este insiste na importância de ouvir presencialmente o primeiro-ministro, a assessoria do Presidente da República afirma que “não há qualquer comunicação adicional por parte do juiz de instrução” sobre o assunto.
“O Conselho de Estado tomou a decisão que se sabe nos termos constitucionais e regimentais, como tal não há qualquer comentário adicional a fazer”, acrescentou a mesma fonte, recusando-se a antecipar o que pode acontecer caso haja um novo pedido do tribunal insistindo com a necessidade de ouvir presencialmente António Costa no processo.
No despacho revelado pela revista Sábado e a que o PÚBLICO teve acesso, Carlos Alexandre recorda que tinha referido que “todas as tomadas de declarações a realizar na fase de instrução terão lugar nas instalações deste TCIC [Tribunal Central de Instrução Criminal]”, não dando assim lugar a qualquer excepção. E considera mesmo que o pedido feito pelo primeiro-ministro ao Conselho de Estado no sentido de depor por escrito “parece ter desconsiderado a posição assumida pelo tribunal quanto à necessidade de o depoimento ser presencial.”
Carlos Alexandre critica a decisão do Conselho de Estado de autorizar apenas o depoimento escrito de António Costa. Citando a lei de organização do sistema judiciário, afirma que as decisões dos tribunais são soberanas, sobrepondo-se às das demais entidades: "São obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”, sublinha.
“Sem pretender ser atrevido, procurando conhecer a Constituição e a Lei e os entendimentos jurisprudenciais atinentes, o Tribunal entendeu ser necessário e adequado, o depoimento a ser autorizado, ser presencial”, volta a insistir Carlos Alexandre. Este pedido, explica, “não quis nem quer ferir qualquer tradição ou prerrogativa”.
Apesar dessa discordância, Carlos Alexandre não formalizou - pelo menos por enquanto - nenhum novo pedido ao Conselho de Estado. E no final do despacho, manda notificar Azeredo Lopes – que arrolou António Costa como sua testemunha – para dizer “o que se lhe oferecer” sobre a decisão do Conselho de Estado.
Mas o advogado de Azeredo Lopes, Germano Marques da Silva, demarca-se da questão: “Esta é uma guerra entre o juiz e o Conselho de Estado com a qual o arguido nada tem a ver”, afirmou ao PÚBLICO. De facto, quando arrolou o primeiro-ministro como testemunha Azeredo Lopes não manifestou de que forma pretendia que fosse ouvido – se por escrito se presencialmente.
Refúgio ilegítimo
Afigura-se neste momento impossível de prever o desfecho deste imbróglio, mas são vários os cenários que desde logo se podem traçar. Um deles passa por Azeredo Lopes desistir de chamar António Costa. Só que não é certo que essa desistência conduza inevitavelmente à resolução do problema, uma vez que o juiz Carlos Alexandre poderá, ainda assim, entender que a audição presencial do primeiro-ministro se mostra imprescindível à descoberta da verdade. “Tanto o juiz de instrução como o de julgamento pode determinar oficiosamente a audição de qualquer pessoa”, esclarece o penalista Paulo Saragoça da Matta.
Para o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia, a lei dá de facto ao magistrado o poder de exigir a presença de António Costa no tribunal. “Não me parece que seja legítimo a um titular de um cargo político refugiar-se num depoimento escrito, que pela sua natureza não se submete ao princípio do contraditório das perguntas e das respostas” que só a interacção em tempo real permite, observa o também presidente do conselho científico da Faculdade de Direito da Universidade Nova. Uma posição de princípio partilhada por vários penalistas, como o PÚBLICO já noticiou.
Bacelar Gouveia explica que a legislação tem evoluído no sentido de uma progressiva redução da amplitude das prerrogativas dos detentores dos cargos públicos em matéria processual penal, dando assim primazia à realização das diligências consideradas necessárias à descoberta da verdade.
“O juiz Carlos Alexandre tem toda a razão”, insiste Saragoça da Matta, segundo o qual António Costa nem sequer pode recorrer da decisão do juiz para os tribunais superiores, uma vez que é uma mera testemunha, e não parte no processo judicial. Só lhe resta comparecer em tribunal, ou então desobedecer ao magistrado, caso este continue a insistir em interrogá-lo. “Neste último caso arrisca-se a uma multa, uma vez que não pode ser detido por se encontrar em exercício de funções”, antecipa este advogado.