Mais medidas, só com compensações de receita, avisa Centeno

O ministro das Finanças inaugurou o ciclo de debates parlamentares sobre a proposta de OE alertando que “o país não se pode cansar de cumprir”. Os apelos à esquerda para a introdução de novas medidas ficaram, para já, sem resposta.

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LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Poucos sinais públicos de cedência do Governo aos partidos à sua esquerda foram dados esta segunda-feira na Assembleia da República, no primeiro debate parlamentar sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2020.

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Poucos sinais públicos de cedência do Governo aos partidos à sua esquerda foram dados esta segunda-feira na Assembleia da República, no primeiro debate parlamentar sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2020.

Numa sessão que durou quatro horas e meia, Mário Centeno não se comprometeu com novas medidas, defendeu que o Orçamento do Estado apresentado já era o menos exigente dos últimos anos ao nível da consolidação orçamental e avisou que quem quiser novas medidas do lado da despesa tem de encontrar compensações do lado da receita.

Na comissão parlamentar de Finanças e Orçamento, o ministro das Finanças foi o primeiro dos membros do governo a defender a proposta de OE para 2020 junto dos deputados.

Centeno, no meio de vários elogios à sua própria proposta orçamental, deixou logo no início a principal mensagem que tinha para dar a quem defende, mais à esquerda, que o Orçamento precisa de mais consumo e investimento públicos e quem critica, mais à direita, o Orçamento por ter demasiada carga fiscal. “O país não se pode cansar de cumprir” - o que traduzido para o momento actual de negociação orçamental significa que o excedente de 0,2% é mesmo para manter.

Para tornar ainda mais clara esta ideia, o ministro das Finanças dirigiu-se especificamente aos keynesianos (que defendem que mais investimento público e consumo público podem gerar um efeito multiplicador na economia): “Um aviso: isto [a possibilidade de o Estado investir mais] é uma enorme responsabilidade para o Estado, e quem quiser mais, vai ter de encontrar receita adicional para o fazer”.

Esquerda diz que actualizações da função pública são “uma afronta"

À esquerda, durante o debate, as bancadas do Bloco de Esquerda e do PCP centraram-se em alguns dos temas que pretendem sejam alvo de negociação, como os salários na função pública, o IVA da electricidade ou o investimento público. Criticaram a actualização de 0,3% definida para os funcionários públicos, dizendo, respectivamente, que esta é “uma afronta” e “inaceitável”.

Assinalaram também que os reforços de despesa feitos por exemplo na saúde são insuficientes, servindo essencialmente para diminuir o nível de suborçamentação. E criticaram o que dizem ser um reforço demasiado baixo do investimento.

“Este Orçamento vive à conta de medidas que foram aprovadas na anterior legislatura e que continuam a ter alguns efeitos. Eu sei que as medidas de futuro não são a preocupação do senhor ministro, a preocupação são os excedentes orçamentais”, afirmou Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.

Nas suas respostas, Mário Centeno, ao mesmo tempo que defendia a necessidade de manter finanças públicas equilibradas, defendeu que o actual orçamento já é menos restritivo do que os anteriores, especialmente pelo facto de Portugal já estar a cumprir a regra europeia que exige um défice estrutural nulo.

E, citando o relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), assinalou que este OE “é muito menos exigente do que os anteriores”, dando como exemplo o reforço de verbas para a saúde e defendendo que os aumentos salariais para a função pública, incluindo os efeitos das progressões, ascendem a 3,2%.

Direita critica carga fiscal 

À direita, o principal tema em discussão foi o da carga fiscal, que a oposição acusa o Governo de aumentar, mas que Mário Centeno recusa. Como já vem sendo hábito, Governo e os partidos à sua direita envolveram-se num debate sobre impostos em que cada um dos lados usou o indicador de carga fiscal que mais vai ao encontro do ponto de vista que defende sobre esta matéria.

Do lado do Governo, Mário Centeno falou da carga fiscal, utilizando como métrica o peso dos impostos directos (IRS e IRC) sobre o Produto Interno Bruto (PIB), dizendo que este indicador baixou 0,8 pontos percentuais desde 2015. Alargou ainda o conceito para o peso das receitas fiscais totais (incluindo também os impostos indirectos) no PIB, que baixou 0,2 pontos percentuais desde 2015, enquanto no total da zona euro aumentou 0,5 pontos.

Do lado do PSD e do CDS, o indicador de carga fiscal utilizado foi o habitualmente publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que ao peso das receitas fiscais no PIB soma ainda o peso das contribuições sociais. Neste caso, a carga fiscal subiu nos últimos anos.

A Iniciativa Liberal, por João Cotrim de Figueiredo, simplificou o indicador usado, utilizando apenas valores brutos (um aumento de 1800 milhões de euros de receita fiscal).

Perante estes dados, à direita fala-se “de uma enorme carga fiscal”, enquanto Centeno diz que “não houve subidas de impostos” e defende que aquilo que aumentou foi o peso das contribuições sociais no PIB, por causa do aumento do nível de emprego.

Durante todo o debate, o ministro das Finanças evitou ao máximo comprometer-se com a realização de cedências, que possam facilitar a passagem do OE no Parlamento. O único momento em que a abriu explicitamente a porta a negociações de novas medidas foi quando, em resposta aos pedidos de André Silva, do PAN, de uma política mais ambiciosa ao nível da fiscalidade verde, respondeu que pretende “manter o diálogo com o PAN, havendo matérias que podem a vir sujeitas a uma negociação”.