Kurz chefia primeiro governo a incluir os Verdes na Áustria
União entre partidos muito diferentes poderá ser exemplo para outros países na Europa em que os Verdes ganham em popularidade e se apresentam como potenciais parceiros dos conservadores.
O líder do Partido Popular (ÖVP, conservador), Sebastian Kurz, e o líder dos Verdes, Werner Kogler, apresentaram o programa do novo governo “turquesa-verde”, as cores dos dois partidos, marcando uma viragem do partido de Kurz, que governou com a extrema-direita do Partido da Liberdade (FPÖ) de 2017 a 2019 e passa agora a coligar-se com um partido que é ideologicamente quase o seu oposto.
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O líder do Partido Popular (ÖVP, conservador), Sebastian Kurz, e o líder dos Verdes, Werner Kogler, apresentaram o programa do novo governo “turquesa-verde”, as cores dos dois partidos, marcando uma viragem do partido de Kurz, que governou com a extrema-direita do Partido da Liberdade (FPÖ) de 2017 a 2019 e passa agora a coligar-se com um partido que é ideologicamente quase o seu oposto.
O programa de Governo inclui a proibição do uso de hijab nas escolas até à idade de 14 (o Governo anterior tinha decidido proibi-lo até aos dez anos) e a possibilidade de deter preventivamente indivíduos que possam ser potencialmente criminosos – uma medida que é destinada a pessoas que peçam asilo e sobre quem existam suspeitas de pertença a grupos violentos. São duas das medidas com o cunho dos conservadores.
Também incluído no programa está o aumento dos impostos a voos com partida a partir da Áustria, assim como um aumento de preço de outras actividades que provoquem emissões prejudiciais. O preço dos bilhetes de comboio irá, por outro lado, diminuir. São das principais bandeiras dos ecologistas.
Vários analistas notam uma maior marca do partido de Kurz, o que faz sentido dada a relação de forças da coligação: Kurz obteve 37,5% dos votos, e os Verdes foram o quarto partido mais votado com 14%, um aumento digno de nota já que nas eleições anteriores, em 2017, o partido não conseguiu sequer superar os 4% necessários para entrar no Parlamento.
Na conferência de imprensa conjunta, Kogler tentou desvalorizar a diferença das medidas de um partido e do outro, dizendo que é menos importante “que cor está atrás” das medidas do programa do novo executivo e que viver em democracia implica cedências. Se as cedências que fez irão ser aprovadas pelos delegados do partido que se juntam no sábado, e de quem depende agora viabilização do Governo? Kogler respondeu que está “relativamente tranquilo”.
"O melhor de dois mundos"
“Foram negociações muito exigentes”, disse Kurz, garantindo que tanto o seu partido como os Verdes vão conseguir “honrar as promessas eleitorais”. Notou que desde o início, ambos os líderes perceberam o que era mais importante para o outro. O programa do Governo é, para o chefe dos conservadores, “o melhor de dois mundos”.
A queda do Governo anterior chefiado por Kurz, e votação de Setembro de 2019 de que sai esta coligação, foi antecipada depois do escândalo provocado pelo “vídeo de Ibiza”, divulgado pelos media alemães Der Spiegel e Süddeutsche Zeitung em Maio anterior, em que o então líder do FPÖ e vice-chanceler Heinz-Christian Strache discutia com uma “sobrinha” de um oligarca russo formas de controlar a imprensa austríaca – um grande tablóide seria comprado pela empresa russa em troca de contratos públicos inflacionados, prometidos por um Strache a dada altura já visivelmente embriagado.
A herdeira era uma impostora e tudo foi filmado e depois encaminhado para a revista e o jornal alemães – ainda hoje não se sabe quem levou a cabo toda a armadilha, cujo cenário foi uma casa de férias em Ibiza (Espanha).
De qualquer modo, Kurz, que fora criticado por normalizar a extrema-direita ao adoptar algumas das suas posições, por exemplo na imigração e na segurança, acabou por não ser penalizado pela associação ao partido envolvido no escândalo, e a beneficiar eleitoralmente da sua queda.
Apesar disso, ainda foi forçado a demitir-se depois de ser o primeiro chanceler da história moderna da Áustria a ver-se derrotado numa moção de censura no Parlamento, na sequência do escândalo com o seu parceiro de coligação. Este vinha a pôr-lhe problemas já antes – a sua ligação a grupos de extrema-direita, ao partido Rússia Unida, que apoia o Presidente russo, Vladimir Putin, e o facto de o Ministério do Interior estar na mão do FPÖ levou a que a Áustria fosse excluída de sistemas de partilha de informação pelos seus parceiros europeus, que temiam que dados sensíveis acabassem nas mãos da Rússia.
Depois de vencer as eleições de Setembro, Kurz não anunciou logo com quem pretendia governar – e não excluiu o FPÖ. Todas as opções de governo à sua disposição tinham riscos; e Kurz preferiu protagonizar algo novo, a primeira vez em que os Verdes participam num governo nacional no país.
O exemplo austríaco pode, segundo vários observadores, vir a ser um modelo para outros países europeus em que a queda dos partidos social-democratas deixa os partidos ecologistas como potenciais parceiros de partidos conservadores que são ainda os mais populares – a Alemanha é um dos primeiros exemplos apontados, com a conservadora CDU a manter-se a primeira nas sondagens para as legislativas que serão realizadas no máximo no Outono de 2021 e os Verdes num claro segundo lugar (28% e 21% respectivamente, segundo a última sondagem do instituto INSA).