Os caminhos do Benjamim
Era um apaixonado pelo trabalho, pela etnografia e pelas pessoas. Foi o último elemento a integrar a equipa fulgurante que fundou a moderna antropologia portuguesa e tornou-se o grande museólogo, o artista encenador das deslumbrantes exposições que o Museu Nacional de Etnologia realizou ao longo de décadas.
Conheci o Benjamim [Pereira] em 1980, quando era uma jovem estudante do primeiro ano de Antropologia e uma das professoras nos levou ao Museu Nacional de Etnologia (MNE) para vermos o filme da Noémia Delgado sobre as festas dos rapazes em Trás-os-Montes. O Benjamim tinha sido o autor do livro Máscaras Portuguesas, que dialogava em pleno com o filme da Noémia, e comentou o filme do início ao fim, esclarecendo pormenores etnográficos mas fazendo sobretudo sobressair a sua estética. Fiquei encantada a ouvi-lo. A partir daí fui assídua frequentadora da biblioteca do museu, e passava horas no gabinete do Benjamim e do Ernesto [Veiga de Oliveira], muitas vezes com a Helena Prista Monteiro, bibliotecária do MNE, a ouvi-los contar as suas histórias de décadas de trabalho de campo pelo país. Quando decidi fazer a tese de licenciatura sobre a serra algarvia (enquanto a maioria dos meus colegas optava pela pesquisa no norte do país), foi o Benjamim que me encorajou a levar esse projecto para a frente. E quando, mais tarde, defendi a tese na faculdade, o Benjamim lá estava, a apoiar-me e a dizer: “Menina, ainda bem que fizeste um trabalho por que te apaixonaste!”.
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Conheci o Benjamim [Pereira] em 1980, quando era uma jovem estudante do primeiro ano de Antropologia e uma das professoras nos levou ao Museu Nacional de Etnologia (MNE) para vermos o filme da Noémia Delgado sobre as festas dos rapazes em Trás-os-Montes. O Benjamim tinha sido o autor do livro Máscaras Portuguesas, que dialogava em pleno com o filme da Noémia, e comentou o filme do início ao fim, esclarecendo pormenores etnográficos mas fazendo sobretudo sobressair a sua estética. Fiquei encantada a ouvi-lo. A partir daí fui assídua frequentadora da biblioteca do museu, e passava horas no gabinete do Benjamim e do Ernesto [Veiga de Oliveira], muitas vezes com a Helena Prista Monteiro, bibliotecária do MNE, a ouvi-los contar as suas histórias de décadas de trabalho de campo pelo país. Quando decidi fazer a tese de licenciatura sobre a serra algarvia (enquanto a maioria dos meus colegas optava pela pesquisa no norte do país), foi o Benjamim que me encorajou a levar esse projecto para a frente. E quando, mais tarde, defendi a tese na faculdade, o Benjamim lá estava, a apoiar-me e a dizer: “Menina, ainda bem que fizeste um trabalho por que te apaixonaste!”.
Fui para os Estados Unidos fazer o mestrado e anos depois, quando soube da abertura do lugar de investigadora no Centro de Antropologia Cultural e Social, um dos centros de investigação fundados pela equipa, concorri, porque o meu sonho era poder trabalhar com o Benjamim e o Ernesto. O sonho tornou-se realidade, e entrei no centro, que fazia parte de um departamento do Instituto de Investigação Científica Tropical a que o MNE pertencia.
Começou assim a minha aventura de partilha de campo e de amizade profunda com o Benjamim. O Ernesto faleceu passado pouco tempo, e o Benjamim reformou-se quase de seguida. Mas acompanhou-me durante anos de pesquisa em Portugal e em Cabo Verde; e eu ia com ele nos inúmeros projectos a que deu assistência, e fez-me conhecer o país pelos olhos de alguém que o conhecia melhor do que ninguém. Trabalhámos juntos no projecto da Aldeia da Luz. Foram anos deliciosos; o Benjamim era um apaixonado pelo trabalho, pela etnografia e pelas pessoas, e foi essa paixão pela etnografia que nos uniu. Contava-me sempre a sorte que tivera de conhecer os seus companheiros e de com eles partilhar uma vida fantástica de aventura e pesquisa, em que o trabalho era uma experiência de prazer vivida diariamente. Trabalhar com ele era realmente maravilhoso, uma alegria permanente. Sempre achei que o Benjamim foi a pessoa mais positiva e feliz que alguma vez conheci, e que transmitia esse fulgor a todos com quem lidava.
Benjamim Enes Pereira fez parte da equipa fulgurante que fundou a moderna antropologia portuguesa. O mais jovem de todos, foi o último elemento a integrá-la e tornou-se o grande museólogo, o artista encenador das deslumbrantes exposições que o MNE realizou ao longo de décadas.
Nasceu a 25 de Dezembro de 1928 e desapareceu a 1 de Janeiro de 2020. Viveu os últimos anos na paz e na beleza da paisagem de Montedor, onde nasceu e viveu uma infância e uma juventude minhotas, e onde mais tarde fazia os seus longos passeios ao longo do mar, que tantas vezes partilhámos. Era um homem deslumbrado pela riqueza etnográfica do país, pela vida e pelas pessoas. E eu quero deixar-lhe aqui a minha gratidão por ter partilhado comigo essa paixão.