Costa preferiu depor por escrito sobre Tancos e o Conselho de Estado fez-lhe a vontade
O juiz de instrução, Carlos Alexandre, queria ouvir o primeiro-ministro presencialmente como testemunha de Azeredo Lopes.
A decisão do Conselho de Estado, anunciada esta quinta-feira no site da Presidência da República, de autorizar que António Costa deponha por escrito no processo de Tancos, mas não presencialmente, como pediu o juiz de instrução Carlos Alexandre, teve por base a vontade do próprio primeiro-ministro. Resta saber se o magistrado se irá contentar com as respostas que o chefe do Governo lhe enviar sobre o que sabia da encenação da recuperação do armamento roubado aos militares.
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A decisão do Conselho de Estado, anunciada esta quinta-feira no site da Presidência da República, de autorizar que António Costa deponha por escrito no processo de Tancos, mas não presencialmente, como pediu o juiz de instrução Carlos Alexandre, teve por base a vontade do próprio primeiro-ministro. Resta saber se o magistrado se irá contentar com as respostas que o chefe do Governo lhe enviar sobre o que sabia da encenação da recuperação do armamento roubado aos militares.
Segundo alguns juristas, caso não se sinta suficientemente esclarecido, Carlos Alexandre poderá obrigar António Costa a comparecer no Tribunal Central de Instrução Criminal, para o interrogar na qualidade de testemunha. Mas as opiniões dividem-se sobre se a lei confere mesmo ao juiz a possibilidade de sobrepor a sua vontade à do Conselho de Estado.
Foi o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, arguido neste processo, quem arrolou o primeiro-ministro como sua testemunha de defesa. Porém, como membro do Conselho de Estado, António Costa beneficia da prerrogativa de depor por escrito - prerrogativa de resto muito usada por todos os membros deste órgão de aconselhamento do Presidente da República, ao qual chegam todos os meses várias solicitações semelhantes vindas dos tribunais. Como também é habitual, depois de receber a solicitação do Tribunal Central de Instrução Criminal, a secretária do Conselho de Estado encaminhou o pedido para o próprio primeiro-ministro, para que este se pronunciasse. E António Costa declarou que preferia não comparecer presencialmente, tendo os conselheiros levado isso em conta quando apoiaram unanimemente a resposta-proposta do primeiro-ministro.
No seu despacho de abertura de instrução, o juiz Carlos Alexandre justifica a sua preferência pelos depoimentos presenciais com a complexidade da matéria em causa e a eventual necessidade de confrontação das pessoas com a prova documental dos autos. Também não autorizou depoimentos por videoconferência.
Para o penalista Paulo Saragoça da Matta, é evidente que o magistrado pode obrigar António Costa a ir ao tribunal, caso entenda que isso se revela essencial à descoberta da verdade. Em causa está o chamado princípio da imediação do processo penal, segundo o qual deve existir um contacto directo, pessoal, entre o juiz e as pessoas que este precisa de ouvir para chegar a uma decisão. Outro penalista, o advogado Carlos Pinto de Abreu, remete para o Código de Processo Civil para chegar à mesma conclusão.
Mas há também quem diga que Carlos Alexandre não pode, de forma nenhuma, sobrepor a sua vontade à de um órgão do Estado, como o Conselho de Estado. Segundo este terceiro jurista, caso não se sinta satisfeito com as respostas que receber, só resta ao juiz pedir ao Conselho de Estado para alterar a sua posição, autorizando a testemunha a depor presencialmente.
O despacho do Ministério Público acusa 23 pessoas no processo do furto e recuperação do material furtado em Tancos, entre as quais o anterior ministro da Defesa, considerado suspeito de envolvimento numa operação encenada pela Polícia Judiciária Militar para a recuperação do material, mediante um acordo de impunidade aos autores do furto.
Azeredo Lopes, acusado pelo Ministério Público de abuso de poder, denegação de justiça e prevaricação no caso de Tancos, requereu que o primeiro-ministro, António Costa, seja ouvido como testemunha.
Quem faz parte do Conselho de Estado?
O Conselho de Estado é o órgão político de consulta do Presidente da República e é composto pelos titulares dos cargos de presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, presidente do Tribunal Constitucional, provedor de Justiça, presidentes dos governos regionais e pelos antigos Presidentes da República.
Presidido pelo chefe de Estado, integra, ainda, cinco cidadãos por este designados, pelo período correspondente à duração do seu mandato, que são actualmente António Lobo Xavier, Eduardo Lourenço, Luís Marques Mendes, Leonor Beleza e António Damásio, e cinco eleitos pela Assembleia da República.
No início desta nova legislatura, a Assembleia da República elegeu como membros do Conselho de Estado, de harmonia com o princípio da representação proporcional, pelo período correspondente à duração da legislatura, Carlos César, do PS, Francisco Louçã, do BE, Domingos Abrantes, do PCP, e Rui Rio e Francisco Pinto Balsemão, do PSD.
Destes cinco eleitos, apenas Rui Rio não integrou o Conselho de Estado na anterior legislatura, quando o PSD acordou com o CDS-PP ceder um dos lugares ao antigo presidente dos democratas-cristãos Adriano Moreira, que agora deixa o órgão político de consulta presidencial.
A última reunião do Conselho de Estado realizou-se antes do período de campanha para as eleições legislativas de 6 de Outubro, no dia 18 de Julho, para analisar as perspectivas económicas e financeiras e os desafios sociais e políticos no plano europeu e internacional. com Sónia Sapage