Luta pelo gás do Mediterrâneo também se faz com tropas turcas na Líbia
A Turquia quer controlar o gás natural no Mediterrâneo Oriental e criar uma zona económica exclusiva líbia ligada à turca. O acordo depende da sobrevivência do Governo líbio, que precisa de apoio militar para combater as forças de Khalifa Haftar.
A Turquia vai enviar tropas para a Líbia para apoiar o Governo de Trípoli, o único reconhecido pelas Nações Unidas, contra o Exército Nacional Líbio do marechal Khalifa Haftar. É a mais recente movimentação da política externa turca para garantir o controlo das águas do Mediterrâneo Oriental, ricas em gás natural, e um novo passo no choque de potências no país do Norte de África.
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A Turquia vai enviar tropas para a Líbia para apoiar o Governo de Trípoli, o único reconhecido pelas Nações Unidas, contra o Exército Nacional Líbio do marechal Khalifa Haftar. É a mais recente movimentação da política externa turca para garantir o controlo das águas do Mediterrâneo Oriental, ricas em gás natural, e um novo passo no choque de potências no país do Norte de África.
“Vamos apresentar uma moção para enviar tropas assim que o Parlamento regresse aos trabalhos”, anunciou esta quinta-feira o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, aos membros do seu partido AKP. “Se Deus quiser, vamos aprová-la no Parlamento entre 8 e 9 de Janeiro e depois responder ao convite”, continuou, referindo-se ao pedido de ajuda militar do primeiro-ministro líbio, Fayez al-Sarraj.
Ancara deverá enviar “duas ou três equipas de assalto anfíbio e uma companhia de cem fuzileiros”, transportados por navios e aviões de guerra, escreveu o analista turco Metin Gurcan no site Al Monitor. As tropas, continuou, vão limitar-se ao treino de soldados líbios e não participarão em missões de combate.
É que se o fizessem corriam o risco de se ver em confronto com a Rússia, que apoia as forças de Haftar. Pelo menos 800 mercenários do Grupo Wagner, o braço armado informal do Kremlin, combatem lado a lado com milicianos líbios e mercenários sudaneses. Daí se compreende porque uma delegação turca foi a Moscovo apresentar as intenções de Ancara antes de Erdogan as anunciar publicamente.
O envio de tropas junta-se ao acordo de cooperação militar entre Trípoli e Ancara, assinado a 27 de Novembro. Ancara comprometeu-se a fornecer armas, veículos aéreos não tripulados e instrutores e, pouco depois, colheu os frutos desse entendimento: anunciou um outro acordo para a criação de uma zona económica exclusiva (ZEE) que vai da costa sul da Turquia até à costa líbia. Erdogan apanhou todos de surpresa ao anunciá-lo na sua visita à Tunísia, em mais um esforço diplomático para consolidar a influência turca no Norte de África.
O acordo faz parte da estratégia de Erdogan para consolidar o controlo sobre o Mediterrâneo Oriental que disputa com Grécia, Chipre e Israel. Porém, o mais provável é o acordo vir a ser considerado ilegal à luz da lei internacional, por violar os direitos de outros Estados – por exemplo, a Grécia está fora do acordo apesar de a ilha de Creta se situar dentro dessa ZEE.
“As partes não podem delimitar fronteiras unilateralmente em exclusão de outros Estados afectados”, disse Yunus Emre Acikgonul, antigo diplomata turco, à Foreign Policy.
Grécia e Chipre esgrimem diferendos territoriais há muito tempo, mas a Turquia tem assumido posições cada vez mais acções agressivas para garantir a expansão da sua soberania. O Governo de Erdogan vem destacando navios de guerra para escoltar navios de prospecção petrolífera no Mediterrâneo Oriental, no que é visto por Chipre e Grécia como violação das suas águas territoriais. Além de enviar tanques para a República Turca do Norte de Chipre, que ainda hoje, 45 anos depois da invasão, só é reconhecida por Ancara.
Descontente com as movimentações turcas, o Presidente cipriota, Nicos Anastasiades, anunciou contactos com os líderes do Egipto, Israel, Grécia e Líbano para formularem uma resposta diplomática conjunta – a Jordânia já se mostrou disponível para apoiar a iniciativa. Numa tentativa de limitar as acções turcas, os cinco Estados criaram no início do ano um Forum de Gás do Mediterrâneo Oriental e vão assinar um acordo, até 2 de Janeiro, para a construção de um gasoduto ligando Israel à Grécia e Itália, passando por Creta.
A pressão sobre a Turquia subiu de intensidade há uma semana, quando o Congresso norte-americano aprovou uma lei que visa aprofundar a cooperação dos Estados Unidos com os cinco Estados no Mediterrâneo Oriental. A lei tem como alvo Moscovo, mas Ancara sentiu-se visada e acelerou todo o processo de aproximação à Líbia. E ameaçou que não tolerará qualquer violação da sua ZEE, apostando numa política de canhoneira, diz a Foreign Policy.
No entanto, o acordo com Trípoli será tão forte quanto for o executivo de Al-Sarraj, reconhecido internacionalmente, embora sem força suficiente para se consolidar internamente. As forças de Haftar ameaçam a sua sobrevivência, mantendo as suas posições nos arredores da capital e controlando a maioria do país. O anúncio de Ancara chega numa altura em que se teme uma segunda ofensiva do marechal líbio contra a capital.
Em Abril, as tropas do governo de Haftar, com sede em Tobruk, avançaram para depor o executivo e, assim, unificar sob um só Governo o país dilacerado por quase uma década de guerra. Porém, o ataque foi travado nos subúrbios de Trípoli. Os dois lados entrincheiraram-se nas suas posições e as escaramuças tornaram-se constantes, com cada parte beligerante a tentar ganhar apoios militares, políticos e logísticos no estrangeiro. Pelo meio, as tentativas de negociação redundaram em falhanço.
O embargo de armas, imposto pelas Nações Unidas, é constantemente violado por ambas as partes, principalmente pelo ENL. “Há relatos que indicam que tudo, desde peças sobresselentes a aviões de combate e tanques, desde balas a mísseis de precisão, chega à Líbia para apoiar os diferentes grupos envolvidos nos combates”, disse Ghassan Salame, enviado especial das Nações Unidas à Líbia, na reunião do Conselho de Segurança de 18 de Novembro.
Haftar é apoiado pela Rússia, França, Egipto e Emirados Árabes Unidos, que entendem ser a aposta mais fiável para os seus interesses na região e para o combate ao terrorismo islâmico num país onde o Daesh e a Al-Qaeda prosperaram desde a queda de Muammar al-Khadafi, em 2011. A Turquia também estava entre os seus principais aliados, acabando por mudar de lado ao ver que Egipto e Rússia ganhavam influência e uma aliança se formava contra si no Mediterrâneo Oriental.
O Governo de Trípoli conta com o apoio da União Europeia e das Nações Unidas, mas no terreno pouco lhe tem valido, vendo-se desesperado por armamento e instrutores. Daí ter pedido ajuda ao regime de Erdogan, mesmo violando o embargo de armas imposto pelas Nações Unidas.