Temos demasiados autarcas dendroclastas
Com a crescente concentração das populações humanas em meio urbano, um autarca dendroclasta (que não respeita as árvores) é um atentado no combate à crescente poluição e na minimização dos efeitos das alterações climáticas.
Multiplicam-se os casos, na imprensa e nas redes sociais, de protestos contra abates e mutilações em arvoredo urbano. Tais acções decorrem de uma crescente consciencialização das populações para a importância das árvores em meio urbano.
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Multiplicam-se os casos, na imprensa e nas redes sociais, de protestos contra abates e mutilações em arvoredo urbano. Tais acções decorrem de uma crescente consciencialização das populações para a importância das árvores em meio urbano.
Esta importância está cientificamente comprovada e está na base de recomendações internacionais para a preservação deste importante património natural. Vários organismos das Nações Unidas têm emitido campanhas sobre o tema, inclusive uma destinada especialmente aos autarcas. É o caso da recente campanha Trees in Cities Challenge, desenvolvida pela Comissão Económica para a Europa (UNECE, sigla em inglês). Já antes, a FAO tinha editado um vídeo sobre os benefícios das árvores urbanas. Em 2013, a Sociedade Internacional de Arboricultura (ISA, sigla em inglês) tinha avançado com informação sucinta sobre os benefícios sociais, públicos, ambientais e económicos das árvores em meio urbano. Não é assim plausível alegar falta de conhecimento sobre o tema, aquando da tomada de decisões sobre a gestão das árvores a nível municipal.
No caso nacional, marcam presença mediática os casos de abate de árvores em meio urbano sem a devida fundamentação técnica. Necessariamente, fundamentação de acesso público. Grande parte destes abates está associada à reconversão de espaços verdes para o betão. O caso do Rossio em Aveiro é paradigmático. O que tem excelentes condições para um parque vede urbano, está na mira para a construção de um parque para automóveis. Descarbonizar, dizem? A situação é caricata, seja pela quota, seja pelo tipo de solos em que se pretende edificar. Mas, se fosse só esta a aberração! Infelizmente, situações similares pululam por vários municípios deste país. A justificação de que se abate uma e plantam duas não pode ser argumento generalizado. Pode ser excepção, quando tecnicamente fundamentada. Os múltiplos benefícios de uma árvore adulta levarão décadas a ser concretizados pelas que se possam plantar.
Aberrantes são ainda as mutilações a que são submetidas as árvores em espaço urbano. Chamam-lhes podas. Todavia, as podas só se justificam em modelos produtivos, na produção de frutos ou de cortiça, ou por motivos fitossanitários, no decurso de avaliação técnica. As ditas podas por motivos estéticos são uma aberração humana. Não há melhor estética do que a produzida pela natureza. Ao que se assiste, na verdade, são a mutilações e sem critério técnico. Muitas vezes desenvolvidas por pessoal sem a devida preparação e protecção. Se a justificativa é a segurança, as mutilações são o primeiro indutor de insegurança. As mutilações provocam desequilíbrios na estrutura das árvores, bem como são responsáveis pelo aparecimento de podridões. Os danos nos pavimentos ou noutro edificado são, muitas vezes, decorrentes destas mutilações.
Obviamente, a instalação das espécies arbóreas nas cidades tem de ter em atenção as condicionantes do local em que são instaladas. Essa escolha deve ter por base critérios técnicos. Não é qualquer árvore que se adequa a um determinado local. Ninguém aprecia ver ramos de árvores a entrar-lhes pelas janelas.
Com as novas tecnologias, não é hoje difícil aos municípios fazer a gestão do arvoredo em espaço urbano. É possível georreferenciar exemplares ou núcleos arbóreos e, para cada um deles, associar planos de gestão. Desta forma, podem ser optimizados os benefícios e minimizados os custos das operações de gestão. O amadorismo não é opção.
Com a crescente concentração das populações humanas em meio urbano, um autarca dendroclasta (que não respeita as árvores) é um atentado no combate à crescente poluição e na minimização dos efeitos das alterações climáticas. É ainda nefasto no que respeita à preservação da saúde física e mental das populações, na redução da biodiversidade em espaço urbano, no fomento de uma paisagem multivariada, no combate às ocorrências meteorológicas extremas (ondas de calor, tempestades, inundações), para a optimização do consumo energético e até na desvalorização do património edificado.
Nesta época do ano, não deixa de ser caricata a preocupação dos autarcas com as “árvores” de Natal. Metálicas e luminosas. Se possível, maiores do que as do autarca vizinho.
Com a crescente consciencialização, talvez esteja na hora de as populações assumirem um compromisso de cooperação com as árvores dos nossos povoados. Pela nossa saúde!