Manifestantes pró-democracia e pró-Pequim levam conflito para o videojogo GTA V

Manifestantes pró-democracia e pró-China enfrentaram-se numa “batalha épica” no videojogo Grand Theft Auto V e quem defende Pequim ganhou.

Foto
Os jogadores replicaram as tácticas de protesto dos manifestantes pró-democracia LIHKG

Carros destruídos, estações de metro vandalizadas, cocktails molotov a voarem e canhões de água a percorrem as ruas em perseguição de manifestantes. Podia ser a descrição de uma qualquer batalha campal nos sete meses de protestos pró-democracia nas ruas de Hong Kong, mas aconteceu no videojogo online Grand Theft Auto V. E já lhe chamam “batalha épica”. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Carros destruídos, estações de metro vandalizadas, cocktails molotov a voarem e canhões de água a percorrem as ruas em perseguição de manifestantes. Podia ser a descrição de uma qualquer batalha campal nos sete meses de protestos pró-democracia nas ruas de Hong Kong, mas aconteceu no videojogo online Grand Theft Auto V. E já lhe chamam “batalha épica”. 

Tudo começou quando manifestantes pró-democracia se organizaram no fórum multiplataforma LIHKG e apelaram aos outros jogadores que comprassem as vestes que se tornaram familiares nos manifestantes: capacete amarelo, roupas pretas e máscaras de gás, com caneleiras e cotoveleiras à mistura, disponíveis a partir da última actualização do jogo. Quem quisesse apenas teria de comprar o kit “Glória a Hong Kong”, derivado do nome do hino pró-democracia, e juntar-se a um gangue chamado Levantem-se com Hong Kong. 

As vestes tornaram-se comuns e os membros do gangue cresceram em número. Em grupo, andavam pelo jogo replicando as tácticas de protesto dos manifestantes pró-democracia: destruir estações de metro em ataques relâmpago e atear fogo a carros da polícia. Os simpatizantes pró-China aperceberam-se e decidiram retaliar. Aos poucos, foram aparecendo no videojogo vestidos de agentes antimotim e munidos de camiões com canhões de água, perseguindo os manifestantes. 

Foto
Os simpatizantes da China usaram camiões com canhões de água na "batalha épica" Shangdizhiying_5zn/Weibo

As escaramuças ganharam dimensão ao ponto da revista de videojogos Abacus, do jornal South China Morning Post, falar de uma “batalha épica” em que os manifestantes pró-democracia apenas perderam por serem menos no campo de batalha. À semelhança dos protestos nas ruas de Hong Kong, os dois lados trocaram depois acusações sobre quem disparou o primeiro tiro (ninguém conseguiu resistir a pegar em armas de fogo) e, quando os manifestantes foram derrotados, houve quem fosse para as redes sociais queixar-se. 

“Não te culpo por não teres coragem de atirar bombas incendiárias à polícia na realidade. Mas no jogo há armas e lança-mísseis e não tiveste coragem de matar os jogadores chineses”, disse um jogador furioso a outro elemento da sua equipa, citado pela Abacus. “Quero perguntar-te: como te qualificas a usar a t-shirt [preta, símbolo dos manifestantes]? É em nome do nosso gangue? Onde te levantaste em nome de Hong Kong?”. 

Foto
Quem defende a China vestiu-se como agente anti-motim Shangdizhiyin_5zn/Weibo

Notícias da “batalha épica” circularam na rede social Weibo, muito usada em Hong Kong, e jogadores chineses avisaram que retaliações não tardariam nos próximos jogos e dias. “Agora que foram provocados, estas baratas dizem que vão regressar ao GTA V para darem cabo de nós. Daqui para a frente, as coisas vão aquecer. Estão preparados?”, escreveu um internauta. 

Lançado em 2013 pelos estúdios Rockstar, o GTA V é um videojogo de mundo aberto, ou seja, as personagens dos jogadores podem movimentar-se a pé ou em veículos e fazer o que quiserem. Há quem se dedique a passar as missões do jogo, sozinho ou com outros jogadores, a destruir o mundo a seu belo prazer ou a entrar em batalhas com outros gangues. O videojogo fez tanto sucesso que atingiu o recorde de vendas de 800 milhões de dólares no primeiro dia do seu lançamento e mil milhões de dólares em três dias. 

Não é a primeira vez que os protestos de Hong Kong se espalham à realidade virtual. Há umas semanas foi lançado um videojogo chamado Libertar Hong Kong, a revolução dos nossos tempos (trailer aqui) e em que se jogava com um manifestante nas ruas da antiga colónia britânica. O jogador entrava em confrontos com a polícia e morria quando atingido por uma bala real dos agentes antimotim. 

A resposta não tardou com o lançamento de um outro jogo chamado Toda a gente a bater nos traidores (vídeo aqui). Manifestantes pró-democracia desfilam pela tela e o jogador, com um taco de basebol ou punhos cerros, vai-lhes batendo e ganhando pontos. Quanto mais massacrados ficarem os manifestantes, mais pontos se ganham. 

O videojogo não tinha crédito e desconhece-se quem o produziu, mas a sua mensagem é clara: os manifestantes merecem ser agredidos. 

sete meses que Hong Kong é palco de intensos protestos contra a influência chinesa na antiga colónia britânica. O rastilho da contestação foi a intenção de o governo de Hong Kong avançar com uma lei de extradição para o continente, entretanto cancelada, e os protestos generalizaram-se, com batalhas campais a tornarem-se comuns. 

Pequim tem garantido que Hong Kong é território soberano chinês e que não vai tolerar interferências externas, apontando o dedo aos Estados Unidos. 

Hong Kong passou de soberania britânica para chinesa em 1997 sob o principio de “um país, dois sistemas”.