Futuro da cervejaria Galiza é uma luta sem fim à vista, mas funcionários garantem vida do espaço

Funcionários ficam no espaço durante a noite e asseguram a gestão do espaço, tendo aprendido a lançar facturas e recibos, mas desconfiam que “há um acordo feito com alguém” por detrás da tentativa de fecho.

Foto
Anna Costa / PUBLICO

Desde Novembro os funcionários da Cervejaria Galiza, no Porto, asseguram a gestão do espaço, tendo aprendido a lançar facturas e recibos, o que fazem todas as madrugadas, e recorrem ao sindicato para fotocopiar os documentos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Desde Novembro os funcionários da Cervejaria Galiza, no Porto, asseguram a gestão do espaço, tendo aprendido a lançar facturas e recibos, o que fazem todas as madrugadas, e recorrem ao sindicato para fotocopiar os documentos.

Garantem ter a casa cheia de quarta-feira a domingo, apesar dos incidentes que abalaram nos últimos dois meses aquele estabelecimento. Dois dos mais de 30 funcionários da cervejaria foram surpreendidos no início de Novembro com a tentativa da administração da empresa de encerramento compulsivo da cervejaria.

Luís Barbosa, 51 anos, há 36 na casa, e António Ferreira, 57 anos, funcionário há 33, contaram à Lusa como têm sido os dias de uma luta singular. “Estamos a viver uma situação de enorme desgaste que nos causa alguma ansiedade, pois alterou-nos muito a vida familiar para quem quase deixamos de ter tempo”, começou por desabafar Luís Barbosa, que depois de três décadas a servir clientes teve de aprender a “lançar facturas”.

Os seus “conhecimentos em Excel”, disse, ajudaram-no a suprir “a falta de um contabilista na gestão diária do estabelecimento” num procedimento que “é feito de madrugada” pelas equipas de piquete que permanecem no estabelecimento até às 06h00, altura em que chega o primeiro colega para iniciar um novo dia de trabalho.

A necessidade de “tirar fotocópias destes documentos em triplicado” fez nascer uma colaboração com o Sindicato de Hotelaria do Norte, que lhes faculta as instalações “onde chegam a passar quatro por dia nessa missão”, contou o funcionário. “Aqui ninguém dorme de madrugada, estamos sempre a trabalhar”, reforçou.

António Ferreira tem sido a “cara” da luta diária pela afirmação da casa fundada a 29 de Julho de 1972 numa cidade cuja resposta “superou as expectativas” de quem lá trabalha diariamente.

“Acho que a cidade nunca viveu uma situação destas: desde clientes antigos a novos, temos recebido muito apoio e força e que nos chegam de muitas partes do país”, testemunhou o responsável da comissão de gestão antes de elencar as visitas de comensais de “Bragança, Guarda, Figueira da Foz, Faro, Lisboa, Vila Franca de Xira e de Viana do Castelo, entre outros”, enquanto de Beja receberam “uma carta e transmitir força e apoio”.

Dos apoios recebidos dois estão visíveis no estabelecimento, um do secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e outro do antigo membro do Bloco de Esquerdo Daniel Oliveira, acrescentando à Lusa António Ferreira ter sido a partir da presença na cervejaria das comitivas comunista e bloquista que “receberam o maior impulso para as coisas começarem a mudar”.

Mas não foi tudo, confirmando o funcionário as presenças no estabelecimento do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do antigo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade e do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, em diferentes momentos, para “uma refeição ou para beber um fino”.

Funcionários dizem que têm casa cheia de quarta-feira a domingo

A certeza de “viabilidade” avançadas à Lusa pelos dois funcionários esbarra num número, que António Ferreira estimou ter subido para cerca de 1,8 milhões de euros, correspondente “às dívidas ao fisco e à segurança social por parte da empresa”, facto que “pode estar a condicionar a entrada de novos investidores”.

“Desconfiamos que há um acordo feito com alguém por detrás da tentativa de fecho do estabelecimento de forma compulsiva em Novembro”, acrescentou antes de avançar com uma revelação: “o Ministério das Finanças já fez saber, nas reuniões que têm decorrido no Ministério do Trabalho, que não aceita negociar o pagamento da dívida com os actuais donos, mas que o fará com quem vier a assumir”.

E a solução, acrescentou, até pode estar “em quem já frequenta” o estabelecimento pois “há clientes que se mostraram interessados em ficar com a cervejaria”, mas o facto de o “PER [Processo Especial de Revitalização] ter deixado de ser pago em Julho faz com que a dívida tenha vindo a subir e, assim, torna-se difícil alguém pegar no negócio”, lamentou António Ferreira.

De uma luta sem fim à vista, mas em que asseguram “manter a coesão e a convicção de que o tempo joga a seu favor” pois têm a “casa cheia de quarta-feira a domingo”, os dois funcionários afirmaram “não se sentirem heróis, mas como um exemplo para os mais novos de união e conjugação de esforços”.