‘Green Deal’ na Europa. ‘Trouble in Paradise’ na Holanda
A Holanda encontra-se em grande tumulto social com acções permanentes de bloqueio e manifestações por parte dos agricultores. Estamos, portanto, no turbilhão do confronto real entre intenções urgentemente formuladas e os efeitos concretos das mudanças imperativas.
Com a apresentação do marcante, ambicioso e urgentemente necessário ‘Green Deal’, Ursula von der Leyen perfila o início de um novo ciclo na Comissão Europeia e acentua a vontade da Europa em liderar a acção na urgentíssima questão do Clima/Ambiente.
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Com a apresentação do marcante, ambicioso e urgentemente necessário ‘Green Deal’, Ursula von der Leyen perfila o início de um novo ciclo na Comissão Europeia e acentua a vontade da Europa em liderar a acção na urgentíssima questão do Clima/Ambiente.
Ora, estamos habituados a que seja a Europa Central/Leste, que inclui os países com maior dependência económica e social do carvão, a oferecer a maior resistência às tão necessárias mudanças no insustentável modelo de crescimento económico baseado nos combustíveis fósseis e crescimento ilimitado.
Mas, quando se passa à implementação de medidas reais destinadas a alterar o modelo, o conceito de produção e a mentalidade ligada ao crescimento ilimitado, aí, somos confrontados com uma explosão ilustrativa de ‘trouble in paradise’. Isto está a acontecer na “progressiva” Holanda.
Aqui, o ‘paraíso’ refere-se à imagem enganadora de uma Holanda constituída por serenos prados, bucólicas vaquinhas e pitorescos agricultores com tamancos nos pés e queijos nas mãos.
Em 2013, uma iniciativa por parte de 900 cidadãos pôs o Governo (e com ele a classe política) em tribunal, exigindo, em nome dos tratados de Direitos Humanos assinados pela Holanda, que obrigam o Governo a proteger os cidadãos de ameaças que ponham em perigo o direito à vida e segurança, que o Governo se comprometesse a garantir os 25% de redução de gases de efeito de estufa em 2020.
Em 2015, este grupo denominado Urgenda ganhou a acção em tribunal, para surpresa do Governo. O Governo apelou e perdeu de novo em tribunal em 2018. Esta sentença foi confirmada a 20 de Dezembro de 2019 pelo Supremo Tribunal de Justiça holandês.
Entretanto, o Governo perdeu três anos neste processo no que respeita às urgentes medidas a tomar para garantir os 25%. O mesmo anunciou que só poderá garantir entre 19% e 21%, embora tenha afirmado que irá fazer o necessário para responder às exigências do tribunal.
Ora, a Holanda assinou o Acordo de Paris a 21 de Abril de 2016. Nesta perspectiva, os partidos políticos com consciência ambiental pressionaram o Governo, o que levou com um consenso maioritário à adopção de uma Lei do Ambiente (Klimaatakkoord/ redução em 49% dos gases em 2030/ neutralidade carbónica em 2050) nos finais de Junho de 2019.
E é aqui que chegamos ao aparente e enganador ‘paraíso agrário’ holandês. Os agricultores holandeses produzem seis vezes mais do que o necessário para o consumo interno da Holanda. Estas cinco parcelas excedentes são para exportação. Os efeitos na fertilidade dos solos desta produção intensiva são desastrosos. Acidez, poluição química e alteração dos níveis freáticos assustadores e insustentáveis.
E, quanto às vaquinhas, estas constituem pelo seu número desmesurado fonte permanente de gases de efeito de estufa, através do amoníaco produzido pela mistura de fezes e urina e pela libertação de metano na respiração, além do óxido nitroso produzido pelas fezes e os nitratos e fósforos infiltrados nos solos.
Em resumo, a produção agrícola tem que ser reduzida a metade e o número de vacas também além do número de porcos. Isto implica uma recusa de um modelo de crescimento e exploração agrícola e de um ‘certo’ perfil de agricultor.
A Holanda encontra-se em grande tumulto social com acções permanentes de bloqueio e manifestações por parte dos agricultores, e não só. Também o sector da construção, que tem que definitivamente mudar. Na Alemanha desenvolve-se o mesmo fenómeno.
Estamos, portanto, no turbilhão do confronto real entre intenções urgentemente formuladas e urgentissimamente necessárias e os efeitos concretos das mudanças imperativas.
O mais curioso é que, no caso da vitória jurídica da iniciativa cívica Urgenda, o que foi ilustrado foi uma vitória nítida do princípio de que “é preciso ambientalizar a política” em lugar de que “é preciso politizar o ambiente”.