Milhões de angolanos vão poder trocar cartão de eleitor por Bilhete de Identidade
Governo de João Lourenço prepara legislação para legalizar a situação de 11 milhões de cidadãos sem registo civil, e que se vêem privados de direitos tão básicos como trabalhar ou abrir conta num banco.
Os milhões de angolanos sem registo de nascimento vão poder finalmente obter o seu primeiro Bilhete de Identidade com base no cartão de eleitor, desde que tenha sido emitido até 2017, tal como tem vindo a ser defendido pela organização não-governamental Handeka, que aplaude a medida.
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Os milhões de angolanos sem registo de nascimento vão poder finalmente obter o seu primeiro Bilhete de Identidade com base no cartão de eleitor, desde que tenha sido emitido até 2017, tal como tem vindo a ser defendido pela organização não-governamental Handeka, que aplaude a medida.
O artigo, plasmado na proposta de alteração à Lei sobre o Regime Jurídico da Identificação Civil e Emissão do Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional, foi apreciado esta sexta-feira, 20, em Luanda, numa sessão do Conselho de Ministros, presidida pelo Chefe de Estado angolano, João Lourenço.
Com a aprovação deste diploma pela Assembleia Nacional de Angola, onde irá a aprovação pelos deputados no próximo ano, a emissão do Bilhete de Identidade (BI) passa a ser feita mediante a apresentação da certidão narrativa completa, do assento de nascimento, da cópia integral do assento de nascimento ou da certidão de baptismo, se ocorrido antes de 1 de Junho de 1963, ou ainda do cartão de eleitor, desde que emitido até 31 de Março de 2017.
Sobre o desfecho desta luta que tem vindo a ser travada pela Handeka, Alexandra Simeão, presidente da ONG, diz que finalmente o Governo angolano deu um passo definitivo para a resolução de “uma situação incomportável para qualquer Estado”, pois no país existem 11 milhões de pessoas que não têm registo civil.
“Ao entregar um cartão de eleitor, o Estado está a dar ao cidadão a presunção de nacionalidade, pois autorizando-o a votar está a assumir que é angolano, já que apenas os cidadãos nacionais podem fazê-lo”, defende Alexandra Simão.
“Estas pessoas não podem estudar depois da 6ª classe, não podem trabalhar, não podem tirar a carta de condução, não podem casar, não podem abrir uma conta num banco, não podem comprar uma moto e registá-la, não podem fazer uma escritura do seu terreno ou da sua casa, não podem viajar de avião, nem de carro pelo país, pois se forem apanhados num controlo correm o risco de acabar a dormir na cadeia. Não podem sequer entrar numa instituição pública porque não têm identificação. Não podem tirar um curso profissional. Não podem registar os seus filhos. No limite, nem sequer podem morrer decentemente, pois sem BI não serão enterrados em nenhum cemitério”.
A presidente da Handeka aproveitou para chamar a atenção do Governo angolano que não será aceitável que, em 2022, alguém possa ter acesso ao cartão de eleitor com base em prova testemunhal sem Bilhete de Identidade. “Não se pode continuar a dar cartões de eleitor a quem não tem Bilhete de Identidade e acontecer o que aconteceu nas eleições gerais de 2017. É aproveitar para endireitar o leme deste navio”.
Após as eleições gerais, em 2017, várias notícias veiculadas pela imprensa local davam conta de cartões de eleitor e cartões de militante do Movimento Popular de Libertação de Angola - MPLA, partido no poder desde a independência, em 1975, nas mãos de cidadãos da República Democrática do Congo (RDC), expulsos de Angola meses depois do acto eleitoral.