Dois candidatos à sucessão de Corbyn e um partido em pé de guerra
Emily Thornberry, ministra sombra para os Negócios Estrangeiros de Corbyn, foi a primeira a anunciar a entrada na corrida para a liderança do Partido Trabalhista britânico, e Keir Starmer, ministro sombra para o “Brexit”, ficou a um passo de se declarar. Há outros seis possíveis candidatos.
O Partido Trabalhista vive um clima de guerra civil com a disputa da sucessão de Jeremy Corbyn. Mais do que a escolha do próximo líder, está em causa a futura orientação do partido: se mantém o rumo à esquerda ou se vira ao centro. Emily Thornberry, ministra sombra para os Negócios Estrangeiros de Corbyn, foi a primeira a anunciar a sua candidatura e há outros sete possíveis candidatos.
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O Partido Trabalhista vive um clima de guerra civil com a disputa da sucessão de Jeremy Corbyn. Mais do que a escolha do próximo líder, está em causa a futura orientação do partido: se mantém o rumo à esquerda ou se vira ao centro. Emily Thornberry, ministra sombra para os Negócios Estrangeiros de Corbyn, foi a primeira a anunciar a sua candidatura e há outros sete possíveis candidatos.
A esmagadora derrota dos trabalhistas nas urnas, a maior desde 1935, levou Corbyn a anunciar que não iria liderar os trabalhistas nas próximas eleições, abrindo a porta à sucessão. As hostes trabalhistas começaram a afiar gumes e as críticas à direcção de Corbyn não tardaram: a culpa não foi apenas da falta de carisma de Corbyn, foi também do programa político, o mais radical das últimas décadas, prometendo nacionalizações, acusou a ala centrista.
“A conquista do Partido Trabalhista pela extrema-esquerda transformou-o num movimento de protesto glorificado, com aparatos de culto e completamente incapaz de ser um Governo credível”, criticou esta quarta-feira Tony Blair, antigo primeiro-ministro trabalhista que levou a formação de esquerda para o centro. “O resultado [eleitoral] envergonha-nos”.
Mas quem apoia Corbyn responde às recriminações com contra-acusações: a ala centrista e os defensores da permanência do Reino Unido na União Europeia limitaram a direcção, obrigando-a a assumir uma posição ambígua sobre o ‘Brexit’ numas eleições onde a saída da UE foi o tema dominante. O problema não foi, portanto, dizem, o programa radical, mas as lutas internas e a oposição dos media britânicos ao denegrirem a imagem de Corbyn.
“O facto de dois terços dos deputados trabalhistas serem remainers que representavam círculos pró-saída criou sem dúvida um verdadeiro dilema para a liderança trabalhista, pelo menos na perspectiva da política interna”, escreveu o historiador britânico David Broder na revista Tribune, ligada à ala esquerda dos trabalhistas. “Com Corbyn e os seus aliados sob fogo constante da maioria dos deputados trabalhistas, a ideia de ‘unidade’ - fortalecida pela experiência positiva da campanha eleitoral de 2017 - foi profundamente aceite por figuras como o ministro sombra para as Finanças, John McDonnell”.
A disputa da liderança trabalhista é assim um choque sobre qual o rumo que o partido deve tomar num contexto em que os conservadores dominam a Câmara dos Comuns e a saída do Reino Unido da União Europeia a 31 de Janeiro de 2020 é garantida. E quem se quiser candidatar tem até 7 de Janeiro para o fazer, para que um novo líder seja eleito no final de Março.
Quem avança
Cada candidato precisa o apoio de 21 deputados (num total de 203) e de 5% dos 500 mil militantes, dos quais 2% provenientes de sindicatos trabalhistas.
Por agora, apenas Emily Thorneberry anunciou estar na corrida, ainda que as movimentações não parem e se fale de nomes de peso. Um deles é o de Keir Starmer, ministro sombra para o ‘Brexit’, que acusou a direcção de o pôr de lado na campanha eleitoral, numa tentativa de se distanciar de Corbyn para alargar a sua base de apoio.
Conhecido remainer, Starmer piscou depois o olho à ala de Corbyn dizendo que a defesa “de um Governo do Partido Trabalhista arrojado e radical é tão forte como o era na última quinta-feira”, dia das eleições, e aos centristas defendendo que o partido deve ser “alargado” e tolerante e que as acusações de anti-semitismo foram mal geridas pela direcção.
Thorneberry, também vista como remainer, distanciou-se igualmente de Corbyn ao escrever, num artigo de opinião no Guardian, que aconselhou o líder trabalhista a não aprovar a convocação de legislativas - os conservadores precisavam dos votos trabalhistas - antes de o ‘Brexit’ estar resolvido, para evitar que o tema dominasse a ida às urnas e favorecesse o Partido Conservador de Boris Johnson. Porém, continua, os seus argumentos não foram aceites pela direcção trabalhista. Na campanha eleitoral, não se destacou, no que alguns dos críticos, diz a imprensa britânica, encaram como sinal de que se preparava para disputar a liderança se Corbyn fosse derrotado.
Ainda que Thorneberry e Starmer tentem distanciar-se da derrota trabalhista, as críticas não se fizeram esperar. “Keir Starmer levou-nos a uma política que não escutou as vozes dos trabalhistas pró-saída e que pediam cautela, conduziu-nos pelo caminho de um segundo referendo, e temo que Emily Thornberry também o tenha feito”, acusou Caroline Flint, deputada trabalhista que perdeu o lugar nas eleições, em entrevista à Sky News. “Ela [Thornberry] disse a um dos meus colegas: ‘Estou feliz por os meus constituintes não serem tão estúpidos como os vossos'”.
Thornberry não gostou e acusou Flint de “inventar coisas”, ameaçando levá-la a tribunal se não se retratasse. Foi o primeiro embate sério de uma disputa que se arrastará por três meses, de acordo com o calendário trabalhista, e que corre o risco de se tornar numa intensa luta interna, com muito rancor pela perda de lugares de deputados à mistura.
O perfil de McDonnell
O perfil da ministra sombra não se enquadra no traçado pela ala mais dura de Corbyn: alguém que pertença ao Norte de Inglaterra, onde se perderam círculos eleitorais para os conservadores, e não cosmopolita e contra o ‘Brexit’. Perfil traçado por John McDonnell, ministro sombra das Finanças e aliado próximo de Corbyn, ao apontar para Rebecca Long-Bailey, com raízes na classe trabalhadora britânica e das mais confiáveis aliadas de Corbyn, dizendo tratar-se de uma “líder brilhante”. É vista como a candidata de continuidade da direcção.
Os outros possíveis candidatos são Jess Phillips, deputada e crítica da direcção de Corbyn, Lise Nandy, também deputada e que se demitiu, em 2016, da direcção trabalhista em desacordo com as suas políticas e gestão do “Brexit”, Yvette Cooper, deputada afecta à ala centrista de Tony Blair e derrotada na disputa pela liderança em 2015, e Clive Lewis, também deputado. Uma última candidata é Angela Rayner, ministra sombra para a Educação, mas a imprensa britânica diz que não se deverá candidatar para ser o braço direito de Long-Bailey, a sua melhor amiga e colega de casa.