Redacção da RTP diz que Flor Pedroso violou “deveres deontológicos e de lealdade”
Polémicas com reportagens sobre lítio e o Iscem do programa Sexta às 9 levam a pedido de demissão já aceite. Redacção lamenta violação dos deveres deontológicos e de lealdade por parte da directora.
Depois do pedido de demissão de Maria Flor Pedroso do cargo de directora de Informação da RTP, anunciado ao fim da manhã, o comunicado do plenário de jornalistas realizado na tarde desta segunda-feira pretende colocar um ponto final nas polémicas que abalaram a credibilidade da informação do serviço público de televisão. Mas não o faz sem antes considerar que a intervenção de Maria Flor Pedroso no processo de investigação do caso Iscem configura uma “violação dos deveres deontológicos dos jornalistas e de lealdade para com a redacção” da televisão a RTP, lê-se no comunicado a que o PÚBLICO teve acesso.
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Depois do pedido de demissão de Maria Flor Pedroso do cargo de directora de Informação da RTP, anunciado ao fim da manhã, o comunicado do plenário de jornalistas realizado na tarde desta segunda-feira pretende colocar um ponto final nas polémicas que abalaram a credibilidade da informação do serviço público de televisão. Mas não o faz sem antes considerar que a intervenção de Maria Flor Pedroso no processo de investigação do caso Iscem configura uma “violação dos deveres deontológicos dos jornalistas e de lealdade para com a redacção” da televisão a RTP, lê-se no comunicado a que o PÚBLICO teve acesso.
O comunicado foi votado por 63 jornalistas, o que representa um quinto da redacção. No plenário estiveram muitos mais jornalistas mas, como durou várias horas, com o passar do tempo a plateia foi diminuindo. A reunião estava a ser transmitida para as delegações nacionais e internacionais mas na altura da votação as ligações caíram e o texto foi depois enviado por email para que os jornalistas votassem num prazo de meia hora.
Na passada semana, Maria Flor Pedroso admitiu ao conselho de redacção ter sido abordada pela directora do Instituto Superior de Comunicação Empresarial (Iscem), que foi encerrado compulsivamente em Setembro, numa altura em que a equipa do programa de reportagem Sexta às 9 estava a investigar “suspeitas de corrupção” naquela instituição que incluíam transacções em dinheiro vivo e dívidas de dois milhões de euros a um arquitecto. A responsável pela informação da RTP, que também foi docente daquela instituição de ensino, admitiu que recomendou à directora do instituto, Regina Moreira, que respondesse às questões colocadas por escrito. Segundo a directora, tratou-se apenas de uma tentativa de “ajudar” a investigação.
Depois da conversa com a directora de Informação, Regina Moreira entrou em contacto com a jornalista do Sexta às 9 por email a dizer que, por recomendação de Flor Pedroso, “só iria responder às perguntas do programa por escrito”. Já o arquitecto autor da segunda acusação acabaria por informar o programa que não consentia a transmissão de uma entrevista com a RTP que já tinha gravada, uma vez que a dívida em causa fora entretanto paga. A reportagem acabou por não ser emitida.
Mas não é só Flor Pedroso a visada pelas críticas dos jornalistas da redacção de televisão do operador público: estes lamentam também a “falta de explicações por parte da directora-adjunta Cândida Pinto”, que não foi ao plenário, “a quem é imputada conivência com a directora de informação no decorrer da investigação do caso Iscem”. Cândida Pinto, a quem Maria Flor Pedroso havia dito que o instituto não dispunha de terminais multibanco e por isso exigia pagamentos em dinheiro aos estudantes, terá desvalorizado o teor da investigação da equipa do programa e recomendou que não se prosseguisse com o trabalho.
O caso Iscem foi conhecido depois de a directora de informação e a coordenadora do programa Sexta às 9, a jornalista Sandra Felgueiras, se terem contradito em audições no Parlamento sobre o adiamento do regresso do programa depois das férias e de uma reportagem que estava agendada desde Julho. O regresso do Sexta às 9 estava marcado para 11 de Setembro, com uma reportagem sobre o envolvimento duvidoso de membros do Governo na concessão da exploração do lítio em Montalegre, e só voltou a 13 de Outubro, com o mesmo tema. A directora justificou o adiamento com a campanha eleitoral e com o facto de a reportagem não estar pronta em Setembro; a jornalista alegou que nunca o programa fora suspenso noutro período eleitoral e que a reportagem podia ter sido emitida em Setembro.
No comunicado, os jornalistas rejeitam “qualquer tentativa de ingerência externa nas decisões que [lhes] competem exclusivamente” e reafirmam a “independência e a liberdade como pedras basilares do jornalismo”, manifestando a “unidade da redacção da RTP-TV no compromisso de prosseguir” esse caminho. A convocatória para o plenário destinava-se a todos os jornalistas da televisão, onde se incluem os elementos da direcção mas, pelo que o PÚBLICO apurou, apenas dois subdirectores estiveram presentes - nem a directora nem qualquer dos quatro adjuntos compareceu.
Maria Flor Pedroso pediu a sua demissão à administração de Gonçalo Reis alegando que, “face à reiterada exposição pública de insinuações, mentiras e calúnias” a que a sua equipa “é alheia”, e “face aos danos reputacionais causados à RTP”, não tinha “condições para a prossecução de um trabalho sério, respeitado e construtivo”. O conselho de administração considerou não ter “outra alternativa que não seja aceitar essa decisão” e prometeu encontrar uma nova direcção de informação em breve.