Vergonha…

Um político com a experiência de Ferro Rodrigues devia saber que os populistas infiltrados no coração da democracia se alimentam da provocação. Dar-lhes fio à estrela é criar-lhes palco e promover o seu reconhecimento.

O Parlamento não aprendeu a lidar com os populistas que lhe entraram portas adentro e o seu presidente, o muito honorável e vetusto Eduardo Ferro Rodrigues, ainda acredita que o hemiciclo é habitado em exclusivo por cavalheiros de bons modos e finas falas. Foi por isso que caiu no disparate de criticar André Ventura pelo uso e abuso da palavra “vergonha”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Parlamento não aprendeu a lidar com os populistas que lhe entraram portas adentro e o seu presidente, o muito honorável e vetusto Eduardo Ferro Rodrigues, ainda acredita que o hemiciclo é habitado em exclusivo por cavalheiros de bons modos e finas falas. Foi por isso que caiu no disparate de criticar André Ventura pelo uso e abuso da palavra “vergonha”.

Disparate porque, que se saiba, dizer que uma política é “vergonhosa” não ofende a cidadania habituada ao crescendo de linguagem agressiva nos últimos anos ou às histórias de deputados que falsificam as suas presenças ou os seus endereços para receber mais ajudas de custo. Disparate ainda maior porque um político com a experiência de Ferro Rodrigues devia saber que os populistas infiltrados no coração da democracia se alimentam da provocação. Dar-lhes fio à estrela é criar-lhes palco e promover o seu reconhecimento.

Nada do que se passou no lamentável incidente entre o presidente da assembleia e o deputado faz sentido. O discurso de André Ventura é uma vergonha pela demagogia, não tanto pelas palavras que usou para a desenvolver. Até porque um parlamento é um espaço de irrestrita liberdade onde só o bom senso, a moderação, a tolerância e o respeito pelo pluralismo têm de ser definidos de forma ampla.

Não compete ao seu presidente determinar se o uso, mesmo reiterado, da palavra “vergonha” cabe ou não cabe nessas regras. Até porque cabe. Porque a palavra não choca nem surpreende no léxico parlamentar. E porque é normal que o deputado, à luz do seu programa, sinta rubor na face, ou opróbrio, ou receio de desonra por ter de discutir na casa da democracia. É bom que André Ventura se sinta envergonhado. Os que não simpatizam com o seu discurso, ficam até satisfeitos por isso.

Ao censurar esse direito banal ao deputado como forma de defender o “prestígio” do Parlamento, Ferro Rodrigues excedeu-se. Mostrou preconceito, porque em variadíssimas vezes os deputados do Bloco ou do CDS usaram palavras equivalentes ou mais graves sem que isso o preocupasse. Mostrou que não sabe como moderar os instintos extremistas e manipuladores de uma certa direita. E mostrou que não percebe o processo de construção de projectos políticos como o do Chega.

Juntando todas estas falhas, André Ventura pode expor-se como vítima, transformou o arrufo numa questão de Estado que reclama a intervenção do Presidente, e, mesmo até para os que execram as suas ideias e as suas palavras, pôde surgir em público como o paladino no combate contra uma certa classe política que se julga dona do país. Uma vergonha.